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Deolinda e Rute: adeus agridoce às quadras de basquetebol

As basquetebolistas moçambicanas, Rute Elias Muianga e Deolinda Mulói Gimo, anunciaram, ontem, o fim de suas carreiras. Não ficam, nem tão pouco, nada a dever a ninguém na modalidade da bola ao cesto. Por isso, o Ferroviário de Maputo homenageou as atletas que conquistaram duas Taças dos Clubes Campeões Africanos em 2018 e 2019.

Os corpos já não estavam a dar tréguas. As lesões não as deixavam sossegadas. Havia, em meio a certas limitações, que encontrar uma solução áurea para saírem em grande de uma modalidade que tanto amam! Ou seja, retirarem-se de uma modalidade que serviram, há cerca de duas décadas, com enormíssimo brio e profissionalismo. Deram tudo na quadra. Ganharam reputação dentro e fora do país.

Exultaram com conquistas que colocaram a multicolor bandeira nacional a flutuar em pavilhões. Choraram com o entoar do hino “Pátria Amada” em momentos de consagração. Enxugaram as lágrimas de tanta tristeza quando falharam o pódio! Enfim, a fórmula para o sucesso no basquetebol foi feito de alegrias e tristezas.

Pois é: os campeões retiram-se, um dia, ficam para as suas obras. O “savoir fair” vai inspirar gerações de basquetebolistas nacionais que olham para um futuro risonho na modalidade da bola ao cesto!

Rute Elias Muianga e Deolinda Mulói Gimo disseram adeus ao basquetebol. Não foi fácil, pois respiram a modalidade. Vivem intensamente. O Ferroviário de Maputo, clube com o qual estavam contratualmente ligadas, agradece! Agradece, no geral, o basquetebol moçambicano que teve, nestas atletas, um exemplo de patriotismo, dedicação e amor à selecção nacional.

As suas presenças em Campeonatos Africanos, Mundial (Moçambique participou uma única vez, neste caso em 2014, na Turquia), Jogos da Commonwealth, Jogos da Lusofonia e eliminatórias para os Jogos Olímpicos são exemplo de compromisso com o basquetebol. Modalidade com a qual contraíram matrimónio.

Polivalente, ou melhor, basquetebolista com esta particularidade de pisar várias zonas na quadra (ndr: faz todas as posições: 1, 2 e 4-5), Rute Elias Muianga deixa um legado.

Aos mais novos, a experimentada basquetebolista deixa esta lição de que, com trabalho, entrega e dedicação, se pode jogar a base, extremo, extremo-poste e até poste.

Todo este percurso, marcado por virtudes e vicissitudes, começa lá nas bandas do outrora formador clube Estrela Vermelha, onde Rute Elias Muianga teve no professor Tajú uma figura que a moldou.

Tão rápido, pelas suas qualidades, explosão e ascensão, mudar-se-ia para o histórico Maxaquene.

No clube mais titulado do país, ainda com idade de cadetes, Rute Elias Muianga evidenciou-se ao ser chamada para a equipa sénior feminina. E não decepcionou. Mostrou serviço, impôs-se na quadra também como uma boa defensora. E, com outros desafios a colocarem-se na sua carreira, mudou-se para o Ferroviário de Maputo, onde conquistou duas Taças dos Clubes Campeões Africanos de Basquetebol (2018, na capital do país, e 2019, no Cairo, Egipto).

Há ainda a destacar o facto de ter sido vice-campeã ao serviço do CFvM em 2006 (quando o Ferroviário de Maputo perdeu na final com o 1º de Agosto), 2016 (caiu aos pés do Interclube) e 2017 (perdeu, novamente, na final com o 1º de Agosto em Luanda, Angola).

Depois, e, porque a marca de sucesso lhe corre nas veias, Rute Elias Muianga transferiu-se em 2012 para a extinta equipa da Liga Desportiva que foi campeã africana de clubes. O palco do título foi Abidjan, onde a galáctica Académica de Ana Flávia Azinheira, Deolinda Ngulela, Sílvia Langa, Nádia Rodrigues, entre outras, fez igualmente história em 2001.

Tal como o bom filho que regressa à casa, voltou ao Ferroviário de Maputo para conquistar tudo internamente. Com os olhos a ganharem o azul do mar, Rute Muianga soltou um sorriso antes mesmo de descrever um momento marcante na sua carreira: “Eu não estava à espera. Eu vinha para uma reunião e fui surpreendida pela direcção. Não esperava por esta recepção ”, começou por dizer Rute Muianga, visivelmente emocionada”.

De hoje em diante, a retirada basquetebolista é convocada a não se distanciar da modalidade. Pelo contrário, espera-se que continue, de fora, a dar o seu valioso contributo para moldar a nova geração de basquetebolistas nacionais: “Eu acho que tenho muito a dar ao basquetebol. Aprendi bastante e posso dar o meu contributo à modalidade, transmitindo a minha experiência às mais novas.”

Para quem faz todas as posições na quadra, habilidades que aprendeu desde que abraçou a modalidade, há mesmo que se tirar ilações para dar lições aos mais novos. “Isto começa na formação. Poucas pessoas acreditam que, com um 1,60 metros, podem jogar 4-5. Eu aprendi, nos treinos, a fazer todas essas posições. O ‘coach’ ensinou-me que todos os atletas podem jogar nas posições que pretendem. Com treino e dedicação é possível”, notou Rute Muianga.

Quem também disse adeus é Deolinda Gimo. Novinha, a basquetebolista deu cartas na Académica, clube que produziu tantas estrelas e tantos campeões. Com as também retiradas do basquetebol Nádia Zucule e Janete Monteiro, sempre evidenciou ter tarimba para jogar na zona restrita. Pena, pena mesmo, foi ter falhado a disputa em 2003 do Campeonato Africano de Basquetebol sénior feminino, em Maputo. Moçambique perdeu na final diante da Nigéria, Nelson Guiliam Isley ficou tão tramado não só por falhar a qualificação directa aos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, como também por não ter tido no seu leque de 12 atletas seleccionadas Deolinda Gimo.

Gimo transferiu-se para o Ferroviário de Maputo em 2006, um ano depois de a equipa verde-e-branca ter conquistado o Campeonato Nacional em Quelimane. E, no mesmo ano (2006), foi vice-campeã africana de clubes numa prova realizada em Libreville, Gabão.

Contam-se ainda o terceiro lugar no Campeonato Africano de Clubes de 2015, em Luanda, Angola. Não era tudo! O céu sempre foi o limite! Em 2016 e 2017, foi vice-campeã africana de clubes também ao serviço do Ferroviário de Maputo.
“Sinto-me com o coração partido, mas com o sentimento de missão cumprida. Foram momentos de muita alegria e tristeza”, disse Deolinda Mulói Gimo.

A poste passou por bons e maus momentos. E esse processo fê-las crescer como atletas: “Gostava de agradecer ao Ferroviário de Maputo e ao presidente por este momento. Eu não esperava. Não é fácil estar aqui para dizer adeus ao basquetebol. Representei Moçambique durante 20 anos. Espero continuar a ajudar o basquetebol”, acrescentou.

Em Dezembro próximo, o Ferroviário de Maputo vai disputar a fase final da Taça dos Clubes Campeões Africanos de Basquetebol.
Gimo não poderá dar, como atleta, o seu contributo à equipa na luta pela revalidação do título de campeã africana. Mas, vai apoiar o clube numa outra vertente, segundo assegurou: “Não seria um bom momento, claro. Mas também não sou egoísta. Não estou apta. Tenho que ajudar o clube de outra forma”, frisou.

TEODOMIRO ÂNGELO: “VOCÊS INSPIRAM GERAÇÕES”

O presidente do Clube Ferroviário de Maputo (CFvM), Teodomiro Ângelo, diz que Rute Muianga e Deolinda Gimo são atletas exemplares.

“Hoje – terça-feira – é um dia especial para as atletas Deolinda Gimo e Rute Muianga pois marcam o fim da carreira. É prática desta casa homenagear e reconhecer quem tanto faz pelo clube. Fizeram toda a sua carreira com brio e profissionalismo. Foram momentos de muita alegria e tristeza”, disse o dirigente.

O homem forte do Ferroviário de Maputo diz ainda que as retiradas basquetebolistas inspiram a nova geração de atletas, pelo que desafiou as mesmas a continuarem a dar o seu contributo à modalidade da bola ao cesto.

“Abraçaram o desafio de serem atletas do Ferroviário de Maputo. Chegado este momento do final das suas carreiras, achamos por bem homenageá-las. Nós queremos endereçar os votos de muita saúde e sucesso na vida que se segue. É um momento de lançar um desafio. Esperamos que, no futuro, continuem ligadas ao basquetebol, quiçá, como treinadoras. Nunca tivemos treinadoras mulheres no clube”, desafiou o dirigente.

“Vocês não imaginam o quanto ajudaram o clube. Vocês não imaginam quão ajudaram a formar gente com carácter. Vocês inspiram muita gente. É uma cerimónia singela mas carregada de muita emoção. Parabéns”, manifestou o presidente do Clube Ferroviário de Maputo.

Teodemiro Ângelo não deixou de oferecer às atletas dois quadros estampados com as respectivas fotografias e buquês de rosas. O basquetebol vai, certamente, sentir saudades de duas atletas que, durante 20 anos, deram o seu melhor pelo país e assim como nos clubes que representaram com brio e profissionalismo.

 

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