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Demitida direcção da Polícia de Fronteira em Namaacha por fazer vista grossa à migração ilegal

Três semanas depois de o “O País” trazer evidências da participação de polícias de fronteira em actos de corrupção, que consistiam na cobrança ilícita de dinheiro, para chancelar passagens ilegais de milhares de moçambicanos, através da zona de Macuácua para a vizinha terra do rand, o Comando-Geral da PRM deslocou-se à Namaacha, “de fininho”, para anunciar reformas com vista a travar o esquema.

Sem dar muito nas vistas, na verdade, parecia mais uma visita normal de trabalho, o que os responsáveis pelo primeiro regimento da Polícia de Fronteira de Namaacha não sabiam é que Bernardino Rafael, comandante-geral da PRM, ia para os destituir. Antes de anunciar as medidas, o chefe da Polícia entrou mata à dentro para aferir a situação real no terreno, tanto na fronteira com eSwatini, assim como com África do Sul.

QUANDO O TEMPO DE SERVIÇO NÃO É SINÓNIMO DE INTEGRIDADE  

Acompanhado pelo comandante da Polícia de Fronteira e outros quadros da Polícia, o comandante geral da PRM fez o percurso até à zona de Macuácua, local onde “O País” reportou todo o esquema facilitação à imigração ilegal. Foi justamente lá onde o comandante-geral deu o primeiro aviso do que estava para acontecer.

“Estamos a notar que algumas coisas não estão bem. Estamos a visitar esta unidade (Comando da 5ª Companhia de Macuácua) e vamos visitar todas ao longo do país e vamos iniciar com um processo de mobilidade do pessoal, porque estamos a notar que quando os comandantes ficam muito tempo no mesmo local tornam-se vulneráveis a manipulações, sentem-se donos dos postos”, disse Bernardino Rafael, sem entrar em muitos detalhes…

Até essa altura, a alta direcção da Polícia de Fronteira de Namaacha não sabia o que estava para vir.  Já de volta ao Comando do Primeiro Regimento na vila de Namaacha, com toda a direcção perfilada em formatura, Bernardino Rafael explicou a essência da sua visita. “Havíamos planeado começar as nossas visitas aos postos fronteiriços na província de Niassa, mas por vossa culpa começamos aqui em Namaacha”.

“Era suposto que colegas com mais de 40 anos de trabalho estivessem a preparar a sua documentação para irem à reserva, mas alguns de vós vão à reserva com um processo disciplinar por responder”, introduziu o dirigente perante um silêncio que só era interrompido pelo ruido produzido pelas folhas das árvores.

E…AS CABEÇAS ROLARAM

Face a esse cenário, Rafael anunciou o que poucos esperavam. “Quando é a imprensa a nos informar estas situações, qual é vosso papel como comandantes, onde vocês costumam estar quando estas situações acontecem?”, questionou Rafael para depois continuar dizendo: “vocês deixaram a coisa andar…Sempre mandam relatórios, mas em nenhum deles revelaram esta situação”.

Segundo Bernardino Rafael, “se um comandante não consegue dirigir os seus elementos, a nós cabe rolar a cabeça da direcção. Partimos do princípio que não há maus soldados, mas sim maus comandantes. E quando o comandante é mau o soldado aproveita-se da situação para prevaricar. Quando há um bom comando o soldado cumpre as ordens. Para os que ficam…continuem a manter a disciplina porque a mudança da direcção é irreversível”.

Sendo irreversível, além dos afastamentos foram instaurados 63 processos disciplinares contra agentes da 5ª companhia de Macuácua e da direcção máxima do Primeiro regimento da Polícia de Fronteira.

COMO FUNCIONA O ESQUEMA

Um circuito que envolve os imigrantes (beneficiários), pequenos transportadores (facilitadores) e a Polícia de Fronteira (a chancelaria).

Tudo começa no terminal da Junta, onde milhares de moçambicanos, sem documentos, formam longas filas para ter acesso a Namaacha. Namaacha…um local “abençoado”, disseram ao “O País” os ilegais, por os permitir chegar à terra prometida. Todos eles sabem como funciona o esquema e há quem já faz essa travessia há 15 anos. Sim 15 anos numa ilegalidade que é assumida como sendo normal. Entretanto, o martírio não termina por ai.

NAMAACHA E… OS FACILITADORES!

Todos os anos, a partir do dia 1 de Janeiro, o terminal de semi-colectivos de Namaacha assiste a um movimento incomum de pessoas: são os ilegais, sendo que seu objectivo é de chegar à Macuácua, localidade que faz fronteira com Mbuzine (território sul-africano). Por ali, vários proprietários de viaturas particulares lutam para transportar passageiros. Eles sabem que também são ilegais, por isso estacionam as suas viaturas fora do terminal. Entre os transportadores a imprensa não é bem-vinda, por isso toda a informação só pode ser adquirida escondendo a identidade. Normalmente, a viagem para a zona de Macuácua custa entre 30 e 50 meticais, mas com a procura crescente o valor disparou para 100 meticais.

A equipa do “O País” seguiu algumas viaturas no percurso de cerca de 15km que vai dar à Macuácua. Ao longo do percurso, a “O País” encontrou dois jovens, tio e sobrinho que pretendiam atravessar ilegalmente, pela primeira vez. Após uma negociação aceitaram dar entrevista na nossa viatura. “Estamos a usar esta via porque nos disseram que podemos passar facilmente. Conheço muita gente que já passou por aqui lá em Gaza. Não temos passaporte, temos sim dinheiro para pagar aos polícias”, detalhou Albino natural de Chibuto e que se fazia acompanhar do seu sobrinho também sem documentos.

Deixamos os jovens avançarem…quanto mais nos aproximávamos à placa que dá indicação da proximidade da zona de Mbuzine, os residentes foram informando a Polícia sobre a nossa presença. Isso fez com que os agentes não nos permitissem passar até a zona de Macuácua. “Mano vão lá para casa, senão vamos vos prender. Nós violamos a Constituição, mas prendemos, não temos problemas, depois vamos justificar”, disse à nossa equipa o agente identificado como sendo o chefe da brigada.

ONDE REINA A LEI DO SILÊNCIO

Muitos moradores que vivem ao logo da via – estreita e alcatroada  –  que vai dar a Macuácua têm medo de falar sobre o assunto. Por lá reina a lei do silêncio. “O País” conseguiu falar com um dos transportadores que levam os ilegais até Macuácua e explicou como tudo funciona.

“É um esquema que está muito bem arquitetado. Quando tu chegas (à Macuácua) não precisas conversar com os agentes. Ali não se complica ninguém. Outro detalhe, não se cobra em meticais, todos os moçambicanos que fazem a travessia sabem. Para passar tem que se pagar um valor de 200 rands por pessoa. Quando o viajante passa, eles passam-nos 100 rands em jeito de recompensa”, detalhou a fonte.

UM NEGÓCIO LUCRATIVO

O transportador explicou ainda que, nessas alturas, faz-se muito dinheiro, razão pela qual, há muitos residentes de Namaacha a fazer o negócio de transporte.

“Arrisco-me a dizer que todos os que têm carros em Namaacha aventuram-se para este negócio, porque dá muito dinheiro. Estou a falar, por exemplo, das pessoas que têm carrinhas de caixa aberta que facturam mais, porque de uma só vez podem transportar 15 pessoas e fazem mais do que três viagens. A cobrar 100 meticais por pessoa da vila à Macuácua e mais os cem rands por pessoa é muito dinheiro em jogo”, precisou.

Noutro desenvolvimento, o também residente de Namaacha avançou que trata-se de um negócio que vem de há anos e é de conhecimento das autoridades locais.

Este é o retrato de um negócio ilegal, lucrativo e que facilita a imigração ilegal de milhares de moçambicanos que procuram melhores condições de vida na África do Sul.

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