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Deficiente aplicação das leis e difícil acesso a crédito “travam” crescimento das fintechs

Os “players” do sector financeiro tem cada vez mais certeza de que o quadro legal ajusta-se ao que as tecnologias desenvolvidas para prestar serviços financeiros, Fintechs, precisam para desenvolver, até aí, tudo bem.

Mas de nada vale ter boas leis se as mesmas não são aplicadas, aliás, é neste aspecto, o do cumprimento das leis, que reside, agora, a grande preocupação dos empresários ligados as Fintechs.

“Para nós o condicionante não está nas leis quer de regulação, quer nas leis comerciais, acho que o grande problema está na aplicação dessas leis, na maneira como essas leis são aplicadas no dia-a-dia e na morosidade que os processos têm” explicou João Gaspar, presidente da Associação das Fintechs.

Um dos efeitos decorrentes da deficiente aplicação da lei no sector das Fintechs é que a mesma impacta de forma negativa na atracção de investimentos, alertou João Gaspar. “Os investigadores internacionais nestas áreas das Fintechs, têm uma meta que é muito importante, primeiro investem em soluções em que realmente têm muito potencial de crescimento, querem o retorno de 10 ou 20 vezes o valor que investiram depois de 5 ou 7 anos e, quando tem os seus dividendos anuais, tem que ter acesso a eles imediatamente, não se pode esperar um ano para receber dólares uma vez que a empresa está a operar em meticais”.

João Gaspar defende igualmente que o país não precisa “inventar a roda, as Fintechs moçambicanas não têm de desenvolver processos de ‘blockchain’, processos de ‘crowdlanding’, processos de crédito ‘scoring’ porque já existe, temos de fazer parcerias, só que isso custa dinheiro, e esse dinheiro tem de vir de financiadores (…) para podermos comprar tecnologia para que, de facto, possamos dar o salto em termos tecnológicos no país” alertou o presidente.

De Portugal José Maria Rego secundou a ideia. “A ideia de que o empreendedor Moçambicano vai desenvolver a tecnologia sozinho é muito difícil, porque não há escala e vai demorar muito tempo, portanto, é preciso trazer empresas de fora” disse.

O fundador da Raize, uma Fintech portuguesa, exemplificou com as empresas de fora que querem operar em Moçambique. Estas têm de ter parcerias nacionais, uma oportunidade para “conseguir criar uma plataforma que ajuda as empresas locais a arranjar parceiros externos, que pagam tecnologia, pagam ‘know how’ e que venham apoiar e ajudar a crescer a escalar mais depressa, com menos custos e com mais qualidade” elucidou.

Um outro problema muito antigo no país são as dificuldades de

acesso ao crédito, que continuam, tal como a deficiente aplicação das leis, a “travar” o crescimento das Fintechs na chamada pérola do índico.

João Gaspar concorda mas defende que o país tem de resolver primeiro, o problema do acesso a contas bancárias. “Neste momento só cerca de 30 por cento das pessoas é que têm uma conta bancária ou de um meio electrónico. Mesmo assim entre 70 a 80% das transacções são para ‘cash in cash out’, o que quer dizer pôr dinheiro electrónico e transferi-lo para alguém que vai logo levantá-lo, não fazem serviços de pagamento sobre essas contas” lamentou.

Os bancos reconhecem as dificuldades, dizem-se estão abertos e que até há um trabalho sendo feito. “Existem varias dificuldades quer do ponto de vista de documentação das pessoas que ainda é um grande desafio, quer no que diz respeito a questões de comunicação” defende Ayaz Muhammad representante da Associação de Bancos (AMB).

O representante garante que a “banca tem feito muito nos últimos anos, procurando encontrar algumas soluções, mas quando falamos de crédito concretamente através das Fintechs, ainda é de facto um grande desafio”.

O representante da Associação Moçambicana de Bancos explicou que os bancos já disponibilizaram algumas alternativas. “Neste momento nós temos uma ‘prime’ na casa dos 15% mas já foram bem mais altas as nossas taxas, considero que o crédito para indivíduos com pouca informação, sem grandes garantias, ainda é um desafio” revelou.

A AMB recorda igualmente que já existem aprovação do banco central para concessão de créditos por via de Fintechs, concretamente via instituições de moeda electrónica, assim como já existem bancos numa fase muito avançada neste aspecto.

O Banco de Moçambique foi ainda mais profundo na questão da criação de dados acessíveis aos “players” do sistema financeiro. “No caso de Moçambique nós temos a central de registos de crédito, que permite que os bancos antes de concederem crédito possam verificar a situação de incumprimento por parte de quem solicitou o crédito” começou por colocar António Wade, representante do Banco de Moçambique.

Wade também recordou a algumas iniciativas do regulador. “Há alguns anos avançamos também com a aprovação de normativos criam a central de registos de crédito privado” recordou justificando que foi “porque entendeu-se que não é suficiente o registo de crédito que está situado no Banco de Moçambique porque tem haver apenas com o sistema bancário, mas os clientes que acedem ao banco têm créditos com inscrições que não são supervisionadas com o banco de Moçambique”.

A implementação do quadro normativo descrito por Wade está dependente da aprovação do regulamento deste regime de crédito privado “que quanto sei está já depositado no conselho de ministros”.

Enquanto se espera, as Fintechs vão tentando “fintar” estes desafios. Como conta Fei Manheche. “Logo a sair da Sandbox nós tínhamos de estabelecer ligações directas com agentes bancários, incluindo os de moeda electrónica e a primeira resposta que recebi é se nós descobrimos que vocês estão a operar como agregadores de pagamento nós vamos desligar a ficha, vamos vos cortar, porque não queremos agregadores de pagamento na nossa plataforma” contou Fei o fundador da Pagalo.

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