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Da Filha de Deus ao escritor Hélder Faife

Vais deixar que eu fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
Tu és igual à noite, calada e constelada.
Pablo Neruda

 

À

Mubayane Muianga, minha avó!

 

A rádio-boca inaugura hoje a rubrica Histórias Criativas. A primeira participante é Suaila, filha do casal Ginabay de Inhambane. Pretendemos promover a leitura de obras de autores moçambicanos. Os ouvintes interessados podem enviar uma carta à apreciação de incontornáveis nomes das letras do país, na residência circular da praceta, a Culpa Morre Solteira, na baixa da cidade.

Suaila escreveu, como ela nos confidenciou, o que leu e gostou e deseja sempre reler.

Eis o conteúdo da missiva dirigida a Hélder Faife:

 

Estimado escritor,

Primeiro gostaria de saber da tua rica saúde! As árvores do meu imenso pomar vibram. As areias de todo Nyambavale quase que se soltam pelos ares, neste momento em que me deito nestas palavras.

Vim revelar-te o que passei nos raros momentos do rico prazer, durante a leitura. Sabias que hesitei, debatendo-me com uma interrogação fundamental. Andei preocupada, pois até hoje ninguém da minha família sabe explicar por que razão um pássaro azul esboçava um cântico triste, no coqueiro grande do quintal durante todas as noites que eu rabiscava esta carta. Aquele fenómeno invulgar sempre acontecia quando o silêncio pincelava a tarde, mordendo o sol pelos calcanhares. E a sombra densa começa a guarnecer o nosso terreiro.

Como deves imaginar, meu escritor, não sou uma mulher de vacilar por assombrações. Nem vou ceder à pressa dos meus velhos, em casar-me cedo.

Gosto quando lês assim, acariciando a minha caligrafia na textura do papel. Eu e as árvores, dedicamos-te a alegria de ramos carregados de frutos. Não nos conheces de lado nenhum. E nem antes permitistes que te tratássemos por tu, neste tom inclinado. Fazemos isto porque precisamos de introduzir-te na mística da terra. A única coisa de Inhambane que imagino conheceres são as tanjarinas. Nesta época terás provado dessas tanjarinas vulgares que andam por aí na capital. E, mal de vocês enganados por oportunistas dizendo que são tanjarinas de Inhambane. Coitados!

Meu escritor, o que me leva a escrever-te é algo mais fundo como os tesouros que estão por debaixo desta terra. Estou deitada, olhando o céu, imaginando coisas. Bem gostaria de ver-te pendurado lá no alto do coqueiro. Contento-me apenas por ver-te nos caracteres que compõem o teu nome neste livro DE(S)DENHOS. Nem me perguntes porquê. Digo-te apenas que isso me preenche. Sinto-te aqui comigo. Só eu sei o que isto significa.

Sei que continuas aí expectante, por mais notícias. Vou contar-te um segredo. Sou a filha mais bonita dos meus pais. Tenho aqui uma fila de gatos-pingados, pedindo a minha mão em casamento. Decidi, então, saber a opinião de alguém que muito admiro. O que te peço, HF, é que a partir do que te escreverei, reproduzindo as intenções daquela gente, possas ajudar-me no razoável. Isto até incomoda-me, sabe.

Lembrei-me de um outro segredo muito meu. Todos os registos que esses parceiros-estratégicos pretendem publicar em livro sobre Zavaleni, a biodiversidade de todo litoral de Inhambane estão comigo. Tenho um manual de valor incalculável, com o registo de todas as canções chopes, todo o nosso imensurável património: a beleza dos lugares, os costumes das nossas gentes, o repositório do Tineve, Ntondo, Mwendje e coisas que não posso nomear. Isto é tão sensível como a polpa da madrugada. Até receio que esta gente da rádio-boca meta o nariz. Proponho-te um pacto: se chegares a meio na leitura da minha lista de coitados, poderei revelar-te as preciosidades que guardo no baú secreto. Está combinado?

 

Um beijinho,

Suaila Ginabay

 

Caros leitores,

Esperamos por mais novidades literárias na próxima edição de Histórias Criativas! Votos de boas leituras!

Saudações,

Celso Muianga

 

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