O País – A verdade como notícia

Da cobrança de contas e da desavença conjugal na residência do senhor Ruben…

Sim, um mal traz sempre outro pior na cauda. A esposa do vizinho Ruben não se sentiu tranquila enquanto não cobrasse contas aos adúlteros. Até tinha insónias. Ela a mirrar lá em Marracuene, na machamba, feita uma parva, uma crónica abstémia de sexo, a matar-se a produzir comida para ele e para os filhos, e ele na boa-vida com amantes. “…não, isto não fica assim!…”. Numa manhã que se prometia feliz fez o cêrco. Fazia-se acompanhar de três valentonas nervosas, sempre na disposição de agredir alguém, umas zaragateiras conhecidas no bairro, donas de muitos filhos de pais incógnitos. Também já haviam recebido a sua quota-parte de sovas das esposas dos amantes.

A dona Virgínea mal transpusera o portão da casa, logo as quatro mulheres caíram-lhe em cima. Como introdução ao ataque mimosearam-na com epítetos pouco dignificantes à moral, à sua e à da mãe que a pariu. Beliscões na testa e puxões ao nariz seguiram-se; bofetões começaram a voar para a cara da mãe Virgínea, que mal podia defender-se, impotente pela surpresa do ataque e pela superioridade numérica das atacantes. Ululações, apupos e assobiadelas chamavam a atenção dos transeuntes naquela rua para espalhar a notícia do escândalo que vizinhos de lado protagonizavam.

A dona Virgínea sofreu o vexame de ser despida em público para deixar exposta aquela nudez que cometera o delito de entregar ao vizinho, o senhor Ruben. Quando ao entardecer este tomou conhecimento da altercação tentou pedir contas à consorte. Que enorme imprudência foi ele cometer! Aquilo foi o mesmo que deitar petróleo numa fogueira. Para mal dos seus pecados, o atrevimento saiu-lhe como nunca esperara. Ficou sem a falangeta do dedo indicador da mão direita, amputada à dentada pela consorte traída. Durante a confrontação a esposa do senhor Ruben entrou num estado de histeria incontrolável. Barafustava em voz alta, toda agitada e desempenada, levantava as capulanas até muito acima das coxas para inquirir do esposo: ”…hen! a da Vergina é mais gostosa do que a minha?… hen? …fala!…fala lá aqui!…o quê que essa prostituta tem mais do que eu?…hen?…diz-me lá aqui!…”, e apontava o baixo-ventre com um dedo indicador. Um escândalo memorável!

Pela primeira vez vi um homem chorar. Desconheço se o senhor Ruben fazia-o por causa da dor no dedo amputado ou de vergonha pela humilhação.

 

*in “Caderno de memórias, vol II”, 2015.

 

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