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Copa Mafalala: tradição e festa!

Na Copa Mafalala, não se “come a relva”, porque ela não existe. Nem a natural, nem a sintética. Mas nem a areia  que por vezes invade a boca dos jogadores, impede-os de demonstrarem o seu talento. O pano de fundo é a vivacidade, manifestações de amizade, reencontro entre velhos e novos.

Vem gente dos bairros circunvizinhos, os jogos são “a doer” e surgem voluntários para tudo. Técnicos de ocasião, cantineiros da zona prometendo “uma rodada”, controladores das invasões às linhas laterais, apanha-bolas, vendedeiras das redondezas…

Dos inúmeros espaços que “pariram” muitas estrelas – com Eusebio à cabeça – aquele campinho vai resistindo, como símbolo e recordação de um tempo em que os espaços livres não eram para o “business”!

O campo tem dimensões reduzidas e por isso só se pode jogar 7 contra 7. O árbitro dirige o jogo com os seus auxiliares a controlarem o público. As linhas praticamente não se vêem e por isso as marcações são feitas pelos pés do espectadores. Mas há algo que por lá sobra e que infelizmente rareia no futebol federado: um empenhamento até aos limites!

Esta é a Copa Mafalala, prova com tradição naquele populoso bairro. Não falta um espaço para confraternizacão e música, onde os artistas se apresentam com muita força e intuição, com pormenores individuais à mistura, muitos deles dignos dos grandes palcos.

No dia da partida final, monta-se um palco, com convidados especiais, em regra “madalas-estruturas”, que outrora por lá jogaram.

CALÇÕES CURTOS
PARA CRIANÇA QUE CRESCE

E não é, seguramente, só a premiação final o que empolga os artistas, nem eventualmente o desfilar dos pormenores técnicos, ou mesmo uma eventual alta qualidade de futebol, difícil de obter num piso daqueles, mas a oportunidade do reencontro de velhos e novos amigos.

As “obrigatórias” enchentes, podem ser explicadas em duas palvras: tradição e festa!
Daí que….

Ninguém tem o direito de pôr em causa uma iniciativa que movimenta tantas emoções, tanto voluntarismo e voluntariedade dentro e fora das quatro linas. No espaço que resistiu aos tempos e aos ventos, num lugar que se orgulha de ter sido o berço de Eusébio e de outros craques, canta-se o Hino Nacional antes dos jogos e há futebol com uma entrega fora do comum. O espaço, que tem sido religiosamente (salva)guardado pelos residentes, na coração do místico bairro da Mafalala, nesses dias, transborda de alegria.

Toda a gente se envolve e colabora, com a rua fechada ao trânsito, as mamanas a reforçaram os “colmans” e os fogareiros, para uma festa que já tem tradição. E acontece, amiúde, festa com direito à invasão (ordeira) após cada golo, em todo o espaço circundante.

Mas o que há que repensar por parte dos “donos” desta prova, é que a criança que decidiram “parir” há mais de 3 décadas, já não cabe em tão pequenos calções. Assim, pelo menos em dia de final, os (e as) residentes terão que vestir o seu trajo de gala (“bana estilo”) e deslocarem-se ao Estádio do Mahafil, da Machava ou mesmo do Zimpeto, com direito a autocarro gratuito, com a intenção de se estender uma iniciativa que demostra perseverança à cidade toda.

Estamos perante a “consequência” natural de um crescimento. Nada de bater mais na criança. Ela já não cabe nos calções que outrora lhe serviam que nem uma luva. O torneio continuará com a sua tradicional designação – Copa Mafalala – mas a finalíssima tem que ganhar outra visibilidade, para exemplo de outros bairros.

UM BAIRRO HISTÓRICO

Eusébio Ferreira da Silva. Todos, sobretudo os mais velhos, já terão ouvido falar deste astro  moçambicano no futebol mundial. Pois o seu berço é esse bairro suburbano de uma complexidade cultural e histórica interessante: a Mafalala. Este nome correu o mundo graças à classe do “Pantera Negra”. Mas há mais: Samora Machel, Joaquim Chissano, José Craveirinha, Wazimbo, de entre outras figuras de proa da sociedade moçambicana, nasceram e cresceram naquelas labirínticas e estreitas ruas de um dos bairros mais carismáticos de Moçambique.

MISTICISMO E MULTICUTULARIDADE

Impressiona a multiculturalidade,  misticismo e convivência harmónica das gentes  da Mafalala, de tal modo que diversas instituições tenham considerado que existem potenciais factores de atracção turística cultural – as damas do tufo são uma atracção –  ombreando mano-a-mano com zonas tradicionalmente chiques como a da Marginal, ou a mítica Baixa da Cidade. Aliás, sabe-se que a Mafalala honrosamente ostenta o epíteto de primeiro bairro suburbano a ser habitado por populações consideradas indígenas no assombrado período colonial. Hoje, muitas das suas tradicionais casas de madeira e zinco foram substituídas por residências de cimento, mas o encanto daquele lugar mantém-se.

A confluência de valores religiosos, com o islamismo a pontuar em número de mesquitas e fiés devotos, é uma marca indelével que percorreu os tempos e suplantou as vontades globalizadoras dos centros cosmopolitas. O tufo, o artesanato, a agilidade e o menear dos corpos na dança da corda, as festas dos ritos de iniciação trazem um colorido muito especial a um bairro onde falta muita coisa, mas que “tem tudo para dar certo”.
 

 

 

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