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Contrabando de madeira em mais de 40 fronteiras informais

Um país rico em recursos, nomeadamente, minerais, marinhos, hídricos, terras férteis e florestas não poderia ficar imune às pressões que os desafios de desenvolvimento geram, quando 80% da população vive exclusivamente da agricultura, maioritariamente nas zonas rurais, onde estão as áreas florestais.
As florestas cobrem quase 51% da superfície total, um quinto das quais situadas em áreas de conservação. Estas áreas estão a ser alvo de exploração dos recursos florestais, que corre a ritmo acelerado, no centro e norte do país, em função do aumento do número de operadores madeireiros, entre legais e furtivos.

O “País” deslocou-se ao extremo norte do país para se inteirar de um fenómeno que ocorre há mais de dez anos, na zona fronteiriça com a Tanzânia, o qual afecta a maior área de conservação do país, a Reserva do Niassa.

Declarada área de conservação em 1954, a Reserva do Niassa tem uma área de 42 mil km2, distribuídos por oito distritos das províncias de Niassa e Cabo Delgado, seis e dois, respectivamente. As duas províncias estão separadas pelo rio Lugenda.

Cabo Delgado é por tradição a que mais problemas traz à governação florestal. É neste pedaço da reserva que reside a ameaça de insustentabilidade, numa das províncias com os padrões de vida mais baixos, segundo dados da Terceira Avaliação Nacional da Pobreza e Bem-Estar em Moçambique, elaborado em 2011 pelo Governo.

Assentamentos populacionais
A pobreza, sem dúvidas, contribui para o aumento da pressão sobre os recursos naturais. Boa parte das 25 mil pessoas que vivem na reserva – 14 mil dentro e 11 mil na zona tampão – está na condição de pobreza. Torna-se necessário, no quadro da gestão dos assentamentos populacionais, garantir actividades de geração de renda alternativas para que as pessoas melhorem a sua qualidade de vida e consigam contribuir para a gestão sustentável das florestas.

Uma das ameaças à sustentabilidade da reserva é a mineração ilegal, que iniciou recentemente, por influência de estrangeiros (tanzanianos, somalis, congoleses).
A procura por lenha e carvão vegetal gera a exploração insustentável de madeira. Estima-se que o consumo anual destes combustíveis esteja em 14,8 milhões de toneladas no país.

Segundo estudos feitos pelo engenheiro florestal António Serra, para a produção de um saco de carvão, é necessário abater uma árvore. “O uso de métodos modernos na produção poderia ajudar a reduzir a quantidade de matéria-prima necessária e aliviar a pressão sobre as florestas”, defende Serra.
Empobrecimento das comunidades
A floresta tem um valor inestimável para a comunidade. Entretanto, a falta de emprego para os jovens e a pobreza generalizada contribuem para a deterioração de valores e envolvimento das comunidades em práticas ilegais. O líder comunitário adjunto de uma das localidades por onde passámos disse que a fome determina o comportamento dos jovens. “Costumo aconselhá-los a parar com as actividades, mas eles não aceitam. Ameaçam expulsar-me da aldeia, quando abordo estas questões de desmatamento”, afirmou Abdul Cavaca. Os jovens trabalham para os furtivos nas operações de corte e transporte. Em troca de 100 meticais por cada árvore abatida, acampam na reserva em condições precárias, sendo que alguns usam a madeira para erguer os esconderijos. Nesses locais, foi possível visualizar mantimentos e combustível para alimentar máquinas de corte.

Milhões de dólares perdidos na Exportação de Madeira
Estima-se que Moçambique não tenha encaixado meio bilião de dólares em receitas aduaneiras de madeira destinada a China em dez anos. Estudos revelam que o volume declarado no país é 5,7 vezes maior que o registado na China.

Quadro geral dos desafios do sector

Corrupção
Um relatório do Centro de Pesquisa Florestal Internacional divulgado em 2014 mostra uma estrutura de custos de subornos pagos, a fim de exportar um contentor (11 m3) de toras: dois funcionários da DNTF (USD 75); um funcionário aduaneiro (USD 70) ; um funcionário de alto escalão do governo (USD 200); um intermediário (USD 100). Os custos somam por contentor USD 520. O estado arrecadaria, se o processo fosse legal, USD 450 por contentor. Os subornos são mais caros do que as taxas normais.

Licenciamento
Elevado número de licenças (mais de mil) em todo o país;
Acesso fácil as licenças simples por operadores estrangeiros
Poucos requisitos para operadores; falta de controle de qualidade dos Planos de Maneio.

Fiscalização
Insuficiente fiscalização da execução dos planos de maneios;
Falta de meios para alcançar áreas de corte legais e proibida;
Ausência de tecnologia de controle de áreas de exploração;

Exportação
Venda da madeira a preços excessivamente abaixo do praticado no Mercado internacional;
Falta de diversificação de mercados; China domina as exportações em 90%;
Dificuldades dos operadores nacionais em atender os requisites para a certificação internacional;
Maioria dos operadores não opera observando o princípio da sustentabilidade do recurso.

Ambiente
Necessidade de criação e ajustamento do quadro legal e institucional adaptado às dinâmicas do Mercado e a política de desenvolvimento sustentável;
Falta de Fiscalização do cumprimento das políticas que asseguram a participação das comunidades locais na co-gestão dos recursos naturais e ecossistemas;

Sector Privado
Não valorização ou aproveitamento dos produtos florestais não – madeireiros;
Inexistência de pacotes de financiamento para a proteccão, conservação, criação e uso sustentável das florestas.

Inexistência de uma indústria nacional de madeira, que maxize toda a cadeia de valor do sector florestal;

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