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Calton Banze: uma história para recordar o “exportação”

Foi um dos maiores futebolistas do pós-independência, uma cópia de Romário. Espantava pela morfologia, não muito comum em jogadores da grande área: baixo, pernas curtas e uma enorme massa muscular, era conhecido por exportação, em alusão a uma garrafa pequena de cerveja com essa designação

Saíu de Moçambique em Dezembro de 1988, após ter conquistado o título de campeão pelo Desportivo de Maputo. O destino era o Sporting de Lisboa, presidido por Jorge Gonçalves, o bigodudo presidente leonino de então. Aos 33 anos, assinou por quatro temporadas, após ter sido campeão e melhor marcador, internamente.

Calton não conseguiu ser a unha prometida aos leões. Chegou, viu, lutou e… não se pode dizer que tenha vencido totalmente, uma vez que a sua trajectória, porque entregue à sua sorte, conheceu contornos sinuosos. O principal motivo: não ter cedido às pressões para renunciar à nacionalidade moçambicana.

Para trás ficava uma carreira ímpar de sucessos, com a camisola alvi-negra e a da Selecção Nacional, em inesquecíveis tardes de glória, nos tempos áureos de Gil, Orlando Conde, Ângelo Jerónimo, Rui Marcos, Ramos e muitos outros… qualquer deles a passarem ao lado de grandes carreiras, devido ao “fecho de fronteiras” que então vigorava no país.

Do S. José para alvalade
Começou no S. José e teve por cá o apogeu com a camisola ‘’alvi-negra’’, tendo sido um dos principais protagonistas de inesquecíveis tardes de glória da Selecção Nacional. No Desportivo de Maputo tornou-se um ídolo e na Selecção, um emblema. Na altura, nenhum seleccionador se ‘’atrevia’’ a deixá-lo de fora, tendo somado 39 presenças na equipa de todos nós.

O seu bio-tipo não é o mais comum para um jogador de área, mas era aí que as suas qualidades se evidenciavam. Por ser baixo, não se aventurava muito no jogo aéreo, mas a verdade é que tinha dois poderosos pés que tudo compensavam, tanto a driblar como a rematar.

As suas armas principais: frieza, drible curto, passe para o lugar certo e forte pontapé. Pelo carácter lutador, na posição de segundo ponta-de-lança, a sua utilidade era extrema, tanto a defender como a atacar. Além disso, era um líder por excelência, capaz de levantar o astral dos colegas, mesmo nos momentos mais difíceis.

Ascensão e queda
Deveria ter ido aos 13 anos, mas a oportunidade só lhe surgiu aos 33. No ocaso da carreira e quando já pensava em arrumar as botas, Hilário da Conceição recomendou-o ao Sporting de Portugal. Havia sido o melhor marcador da época finda.

A idade não foi obstáculo para os leões, sedentos que estavam de alguém que fizesse golos. Viajou com um contrato evolutivo que começava nos 600 contos portugueses de então e que na quarta época já estaria fixado em 850. Porém, acabou não jogando oficialmente no grande clube lisboeta.

Foi cedido a colectividades de menor expressão nas duas temporadas seguintes, não tendo arrecadado nem um terço dos valores plasmados nos contratos assinados. Quando o assunto ficou resolvido, o Sporting elegeu um novo presidente que lhe colocou duas hipóteses: ser colocado num clube de menor expressão, ou mudar de nacionalidade. Optou pela primeira hipótese, para se manter moçambicano. Dias de autêntica tortura se seguiram, com idas constantes a Lisboa para resolver um diferendo que até hoje permanece.

Acabou por arrumar as botas no Fornos de Algodres, aos 40 anos, já como jogador/treinador e fixou-se numa empresa de distribuição de materiais de construção subalternizando o pontapé-na-bola.

Orgulhoso do seu país, Calton Banze, que ainda tem muito a dar pela sua experiência, numa modalidade em que foi, sem favor, um dos mais exímios. Regressou ao seu Desportivo, sendo de vez em quando solicitado a colaborar com a Federação.

Moçambique e os moçambicanos não se devem esquecer do “baixinho”, uma referência que pelo seu carácter e pelo futebol praticado, ainda permanece na retina dos mais velhos.

 

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