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Cahora Bassa no retalho (2)

Antes de entrar nos meus entas era uma obsessão recolher pedacinhos de tudo quanto visse quando fosse algures pelo mundo.

Já tive miniaturas da Torre de Piza, Basílica de S. Pedro, Coliseu de Roma, Estátua da Liberdade, Cristo Redentor do Rio, Ponte 25 de Abril, Basílica de Yamoussoukro, Santuários de Nossa Senhora de Fátima e de Lourdes, Petra, Taj Mahal, etc.

Os meus filhos foram se divertindo com essas minhas recordações e muitos são destroços irreconhecíveis de um grande maremoto; hoje deleito- me com porcelanas da Vista Alegre com Pinturas da Sé Catedral de Nossa Senhora da Conceição, da emblemática Estação dos Caminhos de Ferro e dos vetustos Paços do Município de Maputo.

São os meus pedacinhos de recordações de sítios jamais  sonhados pelos meus pais e que são património impenhorável e imprescritível dessas Nações.

O Governo da República de Moçambique,  recentemente, anunciou a decisão de delimitar algumas regalias próprias dos tempos faustos.

O Estado, entre milhentas de outras formas, podia ter optado em financiar-se junto da banca nacional, emitir Obrigações de Tesouro, Títulos do Tesouro, ou emitir um empréstimo forçado.

Não enveredou por essa via e optou por uma das mais elementares regras de gestão das contas públicas, em particular da despesa, a mais cara e emblemática na Escola do sistema Bretton Woods: combater o despesismo.

Trata-se de uma medida pertinente que só pode demonstrar sentido de Estado e perfil grandíloquo de quem a tomou e de quem bem controlará a sua aplicação.

Felizmente, não optou por vender alguns edifícios públicos, algumas estradas (bem precisando de investimento), o Roll Royce, os museus que só ostentam antiguidades históricas, cujos pedacitos muitos bem gostariam ter entre os seus pertences.

Imagine-se só quão estupefacta estaria, lá no fundo, a minha avó se assistisse que a estrada que abriu no Xibalo, a propósito de financiar mais investimentos para alargá-la (afinal tinha sido concebida senão para o “randrova” do Administrador da Circunscrição do Concelho do Ximbutso), estava a ser privatizada e vendida aos bocaditos…

De  certeza,  a  velha  da  minha  querida  avó  iria  esquecer-se  de  ser desdentada e, no uso da democracia etérea, pediria uma reunião com Mondlane, Samora e outros ilustres para mandar o aviso de que se deve saber que privatizar o que custou o sacrifício do seu sangue consubstancia uma inconcebível privatização.Para erigir um Panteão Nacional, bem necessário para honrar esses nossos mártires e heróis  tínhamos de vender alguns pedacinhos de quê?

Quem  detém  os  pedaços  de  HCB,  através  de  acções,  é  dono  ou doninho (se isso serve de consolação) da HCB e é isso que se diz ser ignóbil.

Mesmo  partindo  da  hipótese,  absurdamente  académica,  de  que  a Hidroeléctrica de Cahora Bassa é apenas a empresa gestora e não a proprietária da Barragem, não seria desejável que as accõeszinhas (os tais pedaços de HCB) fossem vendáveis.

O Governo colonial Português, melhor, o Governo fascista e salazarista da metrópole, nos anos sessenta do século passado, capitalizou o Plano de Desenvolvimento do Vale do Zambeze, através de Obrigações e para financiar a  construção  da  barragem  o Consórcio  ZAMCO  –  Zambeze  Consórcio Hidroeléctrico, Lda, acredito, que não abriu o capital para novos quotistas.

Na verdade, o que pensava é que a Albufeira de Cahora Bassa e a própria Barragem de Cahora Bassa que a forma não deviam ser privatizadas.

Se em algum momento da trajectória da nossa história político- financeira foi necessário abrir mãos ao capital privado (diga-se com muita clarividência),  é  tempo  de  nacionalizar  (no  sentido  mais  erudito  e  jus-

económico do termo) esse capital com a justa indemnização, que se impõem, nos termos da Constituição, provado ter sido por causa de (i) necessidade, (ii) utilidade ou (iii) interesse públicos.

Alias, é essa Constituição, a que eu apenas devo respeito e não a sua defesa, que impõe ao Estado o dever de promover o conhecimento, a inventariação e a valorização dos recursos naturais e determinar as condições do seu uso e aproveitamento, com salvaguarda dos interesses nacionais.

Os interesses nacionais sublinhados  não se resumem aos interesses de grupo ou grupo de interesses, mesmo que eles sejam muitos e colectivos.

Os interesses nacionais cuja salvaguarda é pela Constituição exigida ao Estado é mais do que qualquer interesse de moçambicanos, devendo ser os da NAÇÃO, esse ente passado, presente e futuro que nos deve animar, acima das nossas vontades.

A Hidroeléctrica de Cahora Bassa, como um bem público que não acata o princípio de exclusão, é de consumo passivo e, como tal, é indivisível, inexcluível e irrival1.Para o pagamento da compra da HCB ao Estado Português, na primeira década deste século, recorreu-se a um empréstimo comercial.

Nesse empréstimo, Moçambique nunca foi inadimplente, tendo reembolsado o crédito nos prazos.

No investimento que se pretende, o Tesouro podia, desta vez bem, ser avalista da Hidroeléctrica de Cahora Bassa, se qualquer Banco entendesse ser mais real esta garantia do que o valor do próprio empreendimento que a HCB representa ou mesmo o penhor da receita que ela gera.

Se o que se pretende é promover os moçambicanos, todos teríamos imenso prazer em participar num empréstimo público obrigacionista, organizado pela Bolsa de Valores de Moçambique.

Em  Bolsa,  será  muito  difícil  fazer  a  desconsideração  das  pessoas colectivas e, por via disso, pode-se vir a ter novos donos, bem piores do que o Estado Português, agora mais nosso amigo e que jamais ninguém aceitará que seja fascista.

Estas acções de privatizar e de tornar a HCB menos do Povo Moçambicano e de apenas de muitos moçambicanos, até prova em contrário, não pode ser a mais acertada, como não pode ser qualquer tentativa de privatizar a riqueza nacional.

Acertado é o uso da Bolsa de Valores para o financiamento destas iniciativas pois oferece-se aos moçambicanos outra alternativa de uso da poupança diversa da dos depósitos bancários.

Doutra forma, é um mecanismo de ter valores no bolso dos poucos que serão sempre menos do que os 30 milhões que seremos em breve.

Das anteriores perguntas, das várias possíveis, ainda sobram estas: em que Assembleia Geral foi essa decisão tomada? Quais os fundamentos? Porquê esta solução e não outras? Como se garante que os detentores da informação privilegiada não sejam admitidos na Bolsa?

Nas  perguntas  respondidas  mantém-se  a  convicção  de  que esta operação bolsista não é boa nem para o promissor futuro da HCB, tampouco para o Povo Moçambicano que não quer ver a sua independência a ser vendida a retalho.

 

1 WATY, Teodoro Andrade, Direito Financeiro e Finanças Públicas, WEditora, 2011, pp 16-21.

 

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