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Barcolino – uma história sobre a condição humana

Quando se domestica um membro da nossa espécie,

diminui-se o seu rendimento

Jean-Paul Sartre

 

Como é que um vivo pode estar morto ou, sendo morto, estar vivo? Esta colocação lembra-nos “O regresso do morto”, texto em que um “finado” deixa de ser isso num ápice, ao ser desenterrado na memória. Aquela narrativa de Suleiman Cassamo tem muita relação com a nova de Lucílio Manjate, A triste história de Barcolino, pois, em ambas há um personagem decadente, a resistir para não morrer de facto. Como calha no personagem Moisés, de Cassamo, em Manjate temos Barcolino que se esgota num trabalho difícil. Mas neste, não é a prospecção do subsolo o ofício, e sim o mar (a pesca). Daí o nome do nosso herói sofredor: Barco+lino.

Semelhanças à parte, em A triste história de Barcolino, Manjate conduz-nos ao Bairro dos Pescadores para encarnarmos os insucessos de um personagem que transporta consigo muita existencialidade. Por via do protagonista, temos a descrição de um certo estrato social, cujos problemas resumem-se na infelicidade de terem uma vida sossegada e abençoada. Brincando de ser cruel, Manjate destrói a vida de Barcolino, um sujeito incompreendido quer pela sua esposa Cantarina, quer pelos moradores do seu bairro.

Escrevendo sobre Barcolino, Manjate assume-se como um escritor sensível aos dramas, fazendo disso um exercício capaz de provocar questionamentos sobre certas atitudes do Homem, que, muitas vezes, prefere julgar ao invés de compreender. A triste história de Barcolino é uma narrativa de incompreensões, de traumas, obsessões, escolhas e propósitos. Esta é uma narrativa sobre a condição humana e sobre como o Homem, em geral, reage quando o seu semelhante encontra-se numa situação desfavorável ou contrária à sua. Para o efeito, o autor combina Barcolino e Cantarina, com suas frustrações e desilusões. 

Mas por que Lucílio Manjate aposta num enredo em que o amor e a felicidade são sentimentos transformados em cinza? Por que, nesta novela, as relações entre personagens são miseráveis? Por que o amor é matéria-prima para sangrar corações de quem ama um e é amada por outro? Podemos responder a estas questões citando o seguinte excerto: porque “ – O mundo precisa de uma bela tristeza”. Entretanto, aí surge uma outra questão: por que o mundo precisa de uma bela tristeza? Talvez, porque as belas tristezas prendem mais do que as belas alegrias.

Até hoje, o mundo chora o fim de Titanic ou de Jesus Cristo. Se o navio tivesse chegado aos EUA e o Messias tivesse morrido feliz numa cama de palha, não haveria história secular. É assim, precisamos chorar para aprender o preço do sorriso. Além disso, há um efeito catártico nas tristezas – sobretudo se forem trágicas –, que, depois, nos levam a investir numa alegria. Na verdade é isso. Ao escrever sobre a tristeza de Barcolino, Manjate retrata o cenário que afecta os incompreendidos, coitados, carentes de amor e de tudo o resto, descrevendo a vida dos que vendem o suor por um abraço, mas, ao invés disso, colhem humilhação. Assim, Manjate revela-se um autor preocupado com a espécie humana, pois, ao partilhar as tristezas enterradas nos seus universos interiores, na verdade, está a criar um mundo bom, tendo como princípio o investimento numa trama sobre do que é feito a nossa realidade. Barcolino somos todos nós a tentar navegar no barco de que fomos feito. Esta história propõe-nos curar o nosso herói, por nele existirmos, e os seus detractores. E curar toda essa “gente”, o medo de perdoar, de voltar a acreditar e a amar, é fazer da literatura parte de um conflito, no entanto como solução.

 

Título: A triste história de Barcolino

Autor: Lucílio Manjate

Editora: Cavalo do Mar

Classificação: 15

 

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