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Banca móvel acelera inclusão financeira no país

Moçambique registou grandes avanços em matéria de bancarização da população, nas últimas duas décadas, fruto de intervenções no quadro jurídico-legal e institucional. Até 2014, o país tinha 24% de pessoas cobertas pelos serviços financeiros formais, vindo de um quadro de 6% em 2005. Entretanto, ainda decorrem acções, no âmbito público e privado, visando expandir os serviços financeiros para a população excluída, na sequência da implementação da Estratégia de Inclusão Financeira 2016-22, que prevê como metas atingir 40% da população com acesso a serviços financeiros físicos ou electrónicos até 2018 e 60% até 2022. Actualmente, cerca de 90% dos serviços estão nas zonas urbanas. O desafio passa por adequar produtos às pessoas de baixa renda, incluindo aquelas que vivem nas zonas rurais e periurbanas, sobretudo pequenos agricultores e detentores de micro, pequenas e médias empresas. “O País Económico” constatou, junto de alguns agricultores da província de Maputo, constrangimentos no acesso e uso de serviços financeiros formais, o que empurra alguns aos sistemas informais de poupança e crédito. A inclusão financeira é um dos temas que serão debatidos no Grande Fórum MOZEFO, em Novembro, na Cidade de Maputo.

A banca móvel tem um impacto exponencial em África, porque alcança famílias de baixa renda e sem garantias, integrando-as ao sistema financeiro formal, fornecendo acesso a uma variedade de serviços bancários, incluindo recursos de crédito, poupança, transferência de fundos e pagamentos. Deste que lançou a iniciativa, em 2007, o Quénia conta com mais de 28 milhões de subscritores. Moçambique caminha a uma velocidade surpreendente no uso da moeda electrónica.

“É preciso adequar serviços e produtos à população excluída”

A falta de dinheiro e a iliteracia financeira, muitas vezes associada ao analfabetismo, têm sido as barreiras mais notórias para o não uso dos serviços financeiros por quem tem conta bancária. Este grupo junta-se a uma parte de excluídos dos serviços financeiros formais que aposta nos grupos de poupança. Um estudo da FSD, lançado este ano, revela que estes grupos em Moçambique poupam mais de 1.8 bilião de meticais em ciclos de seis e doze meses. Na região sul, as mulheres estão em peso, com 80% de participação. “Posso dizer que a tradição do xitique, que se arrasta há mais de uma centena de anos, pode estar na origem da massiva participação das mulheres na iniciativa de poupança informal”, disse Esselina Macome, da FSD Moçambique. Uma entre cinco pessoas com conta bancária vivendo nas zonas rurais reporta que não pode ter acesso à mesma. Esselina Macome considera que “é preciso adequar serviços e produtos a esta população excluída. Torna-se necessário maximizar o uso das fintech.”

Banco Central encoraja soluções tecnológicas no sector

A necessidade de aumentar os níveis de acesso da população aos serviços financeiros formais esteve sempre presente nas políticas do Governo. Esta necessidade vem aumentando a medida que se reconhece o papel da inclusão para o bem-estar social, sobretudo para a redução dos níveis de pobreza, estimulando a poupança. O Governo estabeleceu na Estratégia do Desenvolvimento do Sector Financeiro, aprovada em 2013, como uma das acções prioritárias e elaboração de uma Estratégia Nacional de Inclusão Financeira, com o objectivo de envolver o sector financeiro na implementação de acções visando o aumento dos níveis de inclusão financeira. A directora do Departamento de Pagamentos do Banco de Moçambique disse ao “O País Económico” que “existem três prioridades, nomeadamente, expandir os pontos de acesso aos produtos e serviços financeiros, aumentar o número de utilizadores por via de incentivo à abertura de novas contas e melhorar os níveis de conhecimento dos serviços e funcionamento das instituições financeiras.” O Banco de Moçambique tem estado a implementar medidas que encorajam o surgimento de inovações tecnológicas, que incluem soluções de pagamentos e outras formas de acesso aos serviços financeiros básicos de forma remota em todo o país. “Actualmente os bancos disponibilizam aplicações online que permitem o acesso e realização de operações que antes apenas eram realizadas nos balcões. A expansão da rede de telefonia móvel propiciou a entrada em funcionamento de instituições de moeda electrónica”, disse Aurora Bila. Apesar destes avanços, o Banco de Moçambique reconhece a necessidade de melhorar os serviços financeiros, com enfoque para as zonas rurais, criar produtos e serviços adequados às populações de renda baixa, promover a utilização dos agentes bancários por parte dos bancos, de modo a estender as suas actividades para zonas que não têm agências e dar continuidade a implementação do programa de educação financeira. A expansão da rede de telefonia móvel para todos os distritos e o aumento do número de utilizadores dos serviços financeiros móveis são factores que contribuem para a aceleração dos níveis de inclusão financeira.

Banca electrónica reduz custos dos serviços financeiros

A Estratégia de Inclusão Financeira foi desenvolvida com o suporte técnico do “The Financial Inclusion Support Framework (FISF)”, Programa de Assistência Técnica do Quadro de Apoio à Inclusão Financeira. Trata-se de uma iniciativa do Grupo Banco Mundial apoiada pelo governo da Holanda e pela Fundação Bill e Melinda Gates. Moçambique está entre os 25 países considerados prioritários para implementação do FISF, até 2020.

O objectivo é permitir o acesso a uma conta de transacção, onde adultos possam depositar ou receber dinheiro.  70% da população não bancarizada tem uma renda mensal de menos de 5 mil meticais, segundo o estudo FinScope 2014. “Se a maioria da população tem uma renda mensal de menos de 5 mil meticais, torna-se difícil poupar e aplicar no sistema financeiro, se aliado a isso viverem longe das instituições dos serviços financeiros, constituirá uma barreira de acesso”, disse Julián Casal.

O economista enfatiza a necessidade de haver um conjunto de intervenções de âmbito nacional, que tem que ver com a melhoria da educação básica e educação financeira, melhoria de infra-estruturas como electricidade, transporte e serviços de saúde. “É, também, necessário melhorar o desenvolvimento económico, para trazer o sector formal para a economia. Uma vez articuladas todas estas componentes, os custos dos serviços financeiros poderão reduzir”, acrescentou.

O sector privado, apoiado por mudanças no marco regulamentar e legal, tem avançado em matéria de inovação. Uma das inovações é o novo quadro regulamentar sobre o Agent Banking, que permite que os bancos confiem a um agente a alguns dos seus serviços. Outro avanço é a introdução de serviços financeiros móveis, através da telefonia móvel, ou pelos bancos, através da internet. Julián Casal refere que “a interligação entre distintos países pode lograr maior economia de escala, que ajuda a reduzir os custos e expandir o mercado. África Austral tem um potencial para isto”. Para o Banco Mundial, a inclusão financeira ajuda a reduzir a pobreza e melhora o bem-estar das pessoas e está em alinhamento, também, com os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

80% da população pode usar banca móvel

Em Moçambique, 80% da população está coberta por rede de telefonia móvel, o que habilita as pessoas a usar serviços financeiros formais através do celular.  Américo Muchanga não vê ameaça para a banca tradicional, uma vez que “em algum momento esta banca comercial terá que fornecer a maior parte dos seus serviços por cima desta plataforma, com a vantagem de se ligar ao cliente onde quer que ele esteja”.

Uma infra-estrutura não muito onerosa, se comparado aos investimentos da banca, mantém os serviços móveis. Um telemóvel é recarregado até por uma viatura. A estação de base pode usar energia solar ou eléctrica.

“Não há nenhum banco formal que pode ter um número de clientes que a banca móvel pode ter, embora o número de subscritores não signifique necessariamente número de pessoas”, referiu Muchanga. Tecnologicamente, a plataforma da banca móvel pode mover um valor ilimitado. Entretanto, o regulador, o Banco de Moçambique, determinou um limite (25 mil meticais), de forma a tornar este serviço mais virado para a população de renda baixa. O serviço de moeda electrónica permite fazer depósitos, levantamentos e pagamentos, excepto serviço de crédito.

Há nesta plataforma presença de dois reguladores: o Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique, regulador de telecomunicações, e o Banco Central, o regulador financeiro. Por isso, as duas entidades assinaram um acordo que visa a partilha de responsabilidades na auditoria das operações que decorrem nesta plataforma. Os agentes da banca móvel transformaram-se em uma figura como as agências de microcrédito e contribuem para a geração de empregos. São agentes económicos que se podem enquadrar na figura de intermediários bancários, que outrora, antes do avanço das tecnologias, nunca estariam a operar neste campo.

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