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Albinos alvos de raptos e assassinatos em Nampula

Nampula, a província mais populosa de Moçambique volta a conquistar uma popularidade anormal: o assassinato de albinos. O fenómeno não é novo, mas nos últimos três anos quase que não se ouvia falar. Agora, os criminosos voltaram à carga, sem dó, nem piedade, não escolhem o sexo, nem idade. A única condição para ser elegível a um rapto e assassinato brutal é ter problemas de pigmentação da pele, vulgarmente conhecido por albinismo.

O caso mais recente deu-se em Maio findo no distrito de Murrupula, a pouco mais de 70 km da cidade de Nampula. Os detalhes da cena do crime revelam frieza dos dois assassinos e até desprezo pela vida humana. Tratava-se de um dia de chuva. Temendo que a casa de construção precária pudesse desabar, os avós da Carmen Paulo, 12 anos de idade, decidiram que a família devia dormir do lado de fora, numa espécie de alpendre feito de estacas com cobertura de capim.

Longe de desconfiar que a netinha estava na mira dos criminosos, que encontrarem naquela cena a oportunidade certa para porem em prática o seu plano. Tudo indica que naquela noite estavam escondidos na mata densa que circunda a casa, de tal forma que à calada da noite carregaram na  menina como se de um animal qualquer se tratasse, correram pela mata adentro e com golpes de faca no pescoço acabaram com a vida dela.

Em plena noite de chuva a população mobilizou-se em pouco tempo, seguiu a direcção que os dois homens tinham tomado e conseguiram neutralizar um deles, só que o pior já tinha acontecido. “No dia em que mataram a criança conseguimos apanhar um e entregamos à polícia, depois foi encontrado o segundo. O corpo tinham deixado da margem do rio, a cerca de 4 km”, lembra António Terenha, avô da malograda.

Um dos implicados aceitou falar ao nosso jornal, tendo dado detalhes que evidenciam que aquela não era a primeira participação num crime de assassinato de albinos para fins de tráfico de órgãos humanos.

“Declarei que revendi no Malawi para um (indivíduo) da Zâmbia a dois milhões e setecentos mil meticais”. Não deu pormenores do tal comprador e muito menos que órgãos humanos vendeu nessa ocasião. Aliás, conseguir essa confissão é a grande missão que os investigadores do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) têm neste momento, porque, como disse o procurador provincial, Nazimo Mussá, “a forma como eles agem leva a crer que é o mesmo grupo”. Neste caso, o magistrado do Ministério Público estabelecia um paralelismo com o segundo caso registado este ano, em Março, em que uma criança albina de seis anos de idade foi sequestrada no distrito de Larde, e até hoje não há rastros do seu paradeiro.

Quem são os operativos? São moçambicanos. Os mandantes? – desconhecidos! O que procuram? Estas perguntas seguramente que fazem parte das directório de investigação dos operativos do SERNIC destacados para seguir todos os vestígios possíveis que possam conduzir ao desmantelamento da rede que actua em Nampula.

Entretanto, parte da resposta da última pergunta conseguimos encontrar quando com exclusividade entrevistamos dois homens, um de 33, o outro de 47 anos de idade, que há quatro anos estão no Estabelecimento Penitenciário Regional de Nampula a cumprir uma pena de 40 anos prisão maior por terem participado do assassinato de Alfane Amisse em Setembro de 2015, na localidade de Topuito, distrito de Moma.

Na altura, as imagens postas a circular de um ser humano esquartejado chocaram o mundo.

“Ele disse que era para vender os ossos desse albino”, avançou um dos nossos entrevistados, vestido de rouba laranja de reclusão.

Trata-se de um curandeiro que terá sido contactado por um homem identificado por Evaristo, inicialmente para supostamente o tratar a hérnia de que padecia. “Disse que foi mandado com o patrão dele. Não conheço esse tal patrão dele. Não sei se é moçambicano ou estrangeiro porque não lhe vi”.

Todavia, aliciado por um valor total de dez milhões de meticais para uma divisão a cinco, o curandeiro trocou a medicina tradicional pelo crime e ajudou a carregar o corpo do albino, depois de ter sido executado por Evaristo em plena via pública, por volta das 17 horas do dia 16 de Setembro de 2015.

A ideia era enterrar o corpo numa mata para depois da decomposição exumarem as ossadas para alimentar o negócio obscuro que vinca em muitas tradições, sobretudo nos países vizinhos onde se acredita que um tratamento mágico com partes do corpo de um albino ajuda a dar sorte na vida, enriquecimento ou outro tipo de curas.

Essas crenças estão tao enraizadas que só no Estabelecimento Penitenciário Regional de Nampula soubemos que há outros condenados em quatro processos a penas que variam de 22 a 38 anos de prisão de consumação e tentativa de venda
de partes do corpo de pessoas com albinismo.

“Temos até casos de parentes que cortaram cabelo do filho e entregaram alguém para procurar clientes”, confidenciou-nos um agente da guarda prisional que foram destacado pela direcção daquela cadeia para acompanhar a nossa presença no dia da entrevista com os dois reclusos.
 
MP “reabre” investigação do caso do albino desaparecido em 2014
 
Auxílio Augusto desapareceu no dia 17 de Dezembro de 2014 quando tinha 21 anos de idade. Pedro Augusto foi o último a ver o irmão a sair de casa para nunca mais voltar.

“Nós sempre conversávamos, mas naquele dia parecia que estávamos a nos despedir. À hora que ele saiu não nos falamos, só nos olhamos e saiu para o sítio onde tinha o encontro marcado”.

Auxilio terá sido aliciado por alguém que o prometeu uma vaga de emprego. O encontro com o suposto aliciador foi logo cedo. Uma hora depois, o mesmo ligou para a vítima sugerindo que o entregasse documentos pessoais.

O pai, Eduardo Cesar Augusto, conclui que “ele ficou aliciado, pensando que já tinha conseguido emprego, uma vez que disse que ia receber 15 mil meticais por mês. Voltou para casa e apanhou o irmão, a mãe estava ausente, e conta-lhe isso. O irmão não disse nada. Pediu que lhe tirasse fotocópia do seu bilhete de identidade e certificado da 10ª classe”.

O encontro daquela manhã de Dezembro acabou sendo o início do pesadelo para a família. O caso foi remetido à 1ª Esquadra da PRM na cidade de Nampula.

“Quando volto para casa, no dia 18 de Dezembro de 2014, recebo informação de apareceram dois moços à procura também do Augusto. Nesse dia 18 esse fulano quando foi perguntado disse que estava à procura dele para lhe dar um emprego. Que eram umas irmãs que precisavam dele para também receber um valor de 15 mil meticais. Por causa disso, suspeitamos que fosse uma acção combinada, talvez esse fulano não soubesse que o amigo dele já tivesse conseguido nos tirar o nosso filho de casa”

Em Janeiro de 2015 o único arguido foi solto e o processo conheceu muitas voltas entre o juiz de instrução criminal e os investigadores da Polícia. E quatro anos depois continuam mais dúvidas que certezas.

“O processo remeteu-se em definitivo para o Tribunal Provincial para efeitos de julgamento. Este ano todo, 2018, não há julgamento e estou aqui”.

Consumida pela angústia, dona Joaquina Francisco emociona-se ao lembrar o triste episódio que a separou do filho. “Peço à Nossa Senhora para que lhe proteja. Não sabemos se está a sofrer nalgum lado ou então foi entregue morto. Que ela (Nossa Senhora) ajude. Peço ao Senhor para que lhe deixe num bom lugar”.

Auxílio fazia parte de um grupo de 10 irmãos. Três deles nasceram com albinismo.

Confrontado com o caso, o procurador-chefe na província de Nampula, Nazimo Mussá, garantiu que a investigação foi reaberta, estando neste momento a ser seguida uma outra linha de investigação.

“Relativamente a este caso, há um dado novo que surgiu na investigação e em função disso há diligências que foram solicitadas pelo Ministério Público numa outra província do país e em função daquilo que colhermos em sede destas diligências queremos acreditar que teremos outro rumo na investigação”, assegurou o magistrado, sem especificar essas pistas. Todavia, conseguimos apurar que um dos elementos determinantes tem a ver com o telefone do desaparecido que esteve a ser usado num outro ponto do país.

A pobreza e o obscurantismo não podem ser motivo para alguém tirar a vida do outro, segundo Elísio Macamo, que nos falou a partir da Suíça onde leciona na universidade de Basileia e defende que o assunto deve ser compreendido exclusivamente na dimensão criminal.

“Está claro que há um elemento criminoso muito importante e esse elemento criminoso não tem nada a ver com as crenças, pelo menos de uma forma directa, porque não são os curandeiros eles próprios que cometem esses crimes, são normalmente pessoas, jovens do sexo masculino, que fazem isso e vão vender os órgãos aos curandeiros”, conclui o académico.
 

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