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Albert Einstein no mercado Xipamanine

Albert Einstein desceu dum taxi com faróis colados por adesivo hospitalar, no lugar de retrovisores, o taxi, tinha espelhos domésticos encomendados numa dessas lojas chinesas. O taxi no vidro traseiro tinha a seguinte escrita: “Basta Viver – Serviço de Taxi 24 horas”.

Números e letras escritas num pedaço de papel e colado no vidro da frente denunciavam a matricula do taxi. Poisou os sapatos no chão poeirento de Xipamanine, o físico. Um cobrador, de cuecas sujas, a mostra, com moedas puxando-lhe as calças, convenceu Einstein a subir o seu chapa. Einstein recusou-se. Mirou a bicha de chapas, mergulhou os seus olhos, com pingos de catarata, numa carruagem de pessoas ao sol que aguardava nas bombas para comprar CREDELEC. Toda aquela movimentação aos olhos do velho físico ganhava corpo de simples moléculas que se agitavam pela contracção de força num vácuo amplo.

Pequenos tecidos de poeira coçavam as narinas do físico e balas de espirros caíam-lhe sobre a barba; e cápsulas de saliva enchiam-lhe as palmas das mãos. Viu vendedores de crédito correndo, como macacos pintados de amarelo e vermelho, nos galhos do mercado, crianças que prendiam rios em garrafões de 5L. Pensou parado em frente a um parque de estacionamento sobre a sua teoria estatística do movimento browniano. Aquela toda manada de gente era na sua cabeça minúsculos grãos minerais em suspensão de maneira desordenada.

Avançou o homem gasto pela idade dos números e pelo peso das teorias. Atravessou a estrada com passos diagonais. Motoristas e agentes da polícia lançaram-lho insultos pela desordem que criava. Com uma mochila verde aninhada nas costas, relógio que desistira de dar as horas, casaco com manchas de uma bomba atómica de sono não explodida, jeans Levi com marcas de sujidade nas nádegas, quase inexistentes, desfilou Einstein no Xipamanine.

Os 43 graus, de temperatura, alisavam as ideias que ferviam na cabeça despenteada do velho físico. Dentro dele em silêncio segredou-se: “a velocidade da luz é independente do movimento da sua fonte”. O velho Nobel arrastou o seu corpo, mural de cansaço, para o interior do mercado. Apreciou discos pirateados, pomadas que clareiam a pele, fotografias da queda do muro Berlim em manuais vendidos ilegalmente. Tocou nos manuais escolares com muita intimidade e viu seus postulados explicados duma forma superficial, sem substância; chamou o jovem que os vendia e disse-lho: – “Dois acontecimentos simultâneos num referencial não o são, portanto, necessariamente noutro referencial”. – “Suka daqui Madala! Você não tens dinheiro para comprar esses livros de Fezzica”. Riu-se Einstein por não ter sido entendido e por não ter entendido o jovem. Saltava de prazer sempre que não fosse entendido. “Convém que o Filho do homem seja entregue nas mãos de homens pecadores, e seja crucificado, e ao terceiro dia ressuscite” refrescou a memória.

Continuou a sua peregrinação. – “Afasta Madala! Quero passar”. Disse um jovem com um enorme fardo às costas. Parecia uma união de todas as corcundas do mundo. Olhando o jovem que desaparecia, como um eco, no meio da multidão, Einstein pensou na equivalência da energia (E) e da massa (m). Em cada passo era como se descrevesse a geometria do Universo à escala cósmica em Xipamanine.

 

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