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Aisha Bakari, rainha caçadora de Boko Haram: um exemplo de ética do anti-herói

“Nós não morremos na cama”, Rorschach
Se o imperialismo e a descolonização do sec. XX transformaram o mundo num campo de grandes guerras, o terrorismo do séc. XXI veio mergulhar o mundo em tempos sombrios.  A esfera pública, onde é suposto os humanos encontrarem-se e manifestarem seu ser através da palavra e acção, incorre no risco de transformar-se numa esfera de medo e solidão por conta do terrorismo.

A sensação de frequentar lugares públicos em países com mais registos de atentados terroristas é certamente de menos tranquilidade, pois nunca se sabe se o homem que passa por ti na rua não é um jihadista capaz de, repentinamente, tirar uma faca e começar a atacar qualquer indivíduo à sua frente; ou, se calhar, o veículo que segue contra tua direção é conduzido por um fanático capaz de irromper no passeio e atropelar toda gente que puder.

A insegurança também se faz sentir em transportes colectivos, supermercados, praças e outros locais públicos que, por registar maior fluxo de pessoas, se tornam centros estratégicos dos terroristas para detonar explosivos ou abrir fogo contra pessoas indefesas e desconhecidas. Nos tempos que correm, o terrorismo tornou-se, por excelência, um acto de banalização da morte por simplesmente atentar a vida de maior número possível de pessoas que nem sequer têm intimidade com autor do crime.

Ante este mundo que se nos afigura caminhar em direção ao abismo, constitui-nos uma surpresa que, no meio de tanta inércia humana ao sofrimento alheio, surja uma mulher voluntária chamada Aisha Bakari Gombe pronta a resistir ao terrorismo. Aisha Bakari é uma mulher nigeriana que, há três anos, decidiu usar sua espingarda familiar, não mais para caçar elefantes ou búfalos, mas para combater um dos grupos mais mortíferos da África e do mundo (Boko Haram).

Bakari coordena um grupo de sete voluntários de idade entre 15 e 30 anos e, juntos, já resgataram centenas de pessoas sob o domínio de Boko Haram, bem como mandaram para prisão vários militantes deste grupo. Mas o que mais há de formidável nesta mulher é o facto de ela ser desprovida de dotes físico-intelectuais que a possam assemelhar aos heróis de excelente inteligência e porte físico aos quais a história política nos habituou, porém, tampouco ela se sente desabilitada para lutar pelos seus ideiais.

Vendo e ouvindo-a, percebe-se que Aisha Bakari é, por excelência, uma anti-heroína cujo amor pela paz e justiça a faz desconsiderar sua falta de mestria na arte da luta, mas a move a combater pela liberdade dos outros.  Mesmo quando o governo da Nigéria parou de oferecer apoio militar e financeiro aos caçadores de Boko Haram – o que resultou na deserção da maioria – Aisha continuou a combater firme o grupo islâmico.

Enquanto outros são movidos por vingança dos seus entes queridos assassinados brutalmente pelo Boko Haram, ela deixa-se guiar pelos valores mais altos da humanidade: paz e justiça.
Por estas razões, julgo que Bakari perfaz o modelo duma ética de anti-herói digno de inspirar a nossa geração a erguer-se contra ondas de violência que infestam o mundo, não obstante a nossa falta de superpoderes.  

 

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