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“Aguardamos mais um ano difícil e temos de ser inovadores” 

Luís Magaço assumiu, recentemente, a presidência da Associação de Comércio, Indústria e Serviços (ACIS), uma entidade autónoma e privada que tem contribuído para a promoção e desenvolvimento de vários sectores de actividade. Magaço dá o seu ponto de vista em relação a diversas questões da conjuntura económica nacional e está atento aos avisos de instabilidade num futuro próximo.

De um modo geral como é que olha para o papel da ACIS na promoção e desenvolvimento do país?
Antes de mais nada, gostaria de dizer que a ACIS é provavelmente a maior associação empresarial moçambicana com presença em todo o país, envolvendo empresas dos mais diversos tamanhos, isto é, pequenas, médias e grandes e tem uma actuação muito activa, sobretudo no serviço membro e na criação das melhores condições para o desenvolvimento em Moçambique. Eu vejo a ACIS a desempenhar um papel muito importante e relevante na economia nacional, e enquanto membro da CTA, é uma entidade que irá fazer, como tem feito até hoje, o melhor possível para que em Moçambique haja um ambiente de negócios que seja favorável ao desenvolvimento das empresas.

Temos a felicidade de ter alguns barómetros sobre o nível do desempenho da nossa economia e sobretudo no que toca ao ambiente de negócios. O Doing Business é um grande barómetro que nós utilizamos para identificar os principais obstáculos para o desenvolvimento das empresas. A ACIS, enquanto associação, privilegia a promoção da advocacia dos temas que mais preocupam as empresas levando às entidades competentes, envolvendo-se directamente na promoção dessas condições que possam favorecer a geração dos negócios e a remoção dos obstáculos específicos que forem identificados para os seus membros. A ACIS pauta pelo desenvolvimento das suas empresas associadas, mas também de um modo geral a toda a economia nacional, até porque a ACIS é uma associação de comércio de indústria e de serviços, ou seja, abrange todo os sectores económicos de um país. Por isso mesmo, a ACIS para além de uma advocacia das suas empresas, também empenha-se e continuará a fazê-lo na promoção de um clima de negócios que seja favorável à atracção de investimento, ao investimento nacional, à promoção de serviços, à promoção do Turismo, à promoção do desenvolvimento de infra-estruturas, portanto, tudo aquilo que constitui os quatro principais pilares que são identificados pelo Governo, a ACIS identifica neles os seus principais elementos de inspiração.

Por falar no Doing Business, recentemente o Banco Mundial divulgou o relatório referente a 2018 e mais uma vez descemos de posição. Que apreciação faz do desempenho de Moçambique?
Eu acho que muitos têm falado do Doing Business e acho que muito se tem proposto como soluções para ultrapassar um conjunto de barreiras que estão devidamente identificadas. Eu penso que o problema que nós temos é que estamos a fazer mal, ou poucas coisas, e que estamos a fazê-las mais devagar em detrimento dos outros países. Nós estamos a reformar devagar, mas estamos e o problema é que a nossa reforma é muito mais lenta que os nossos concorrentes. Se verificar o gráfico do Doing Business, Moçambique sobe e desce, porque há momentos em que nós aceleramos o passo e subimos, e subir aqui neste caso é a partir dos 130, 140 para 120 ou vice-versa. 

Devo frisar que o nosso pior índice foi 142 e hoje estamos com 138. Portanto, nós já estivemos piores, mas também já estivemos muito melhores com 127. Pela minha experiência, nos países africanos, eu honestamente não acredito na posição de Moçambique no Doing Business. Eu conheço países muito piores que no Doing Business aparecem muito em frente e a explicação disto é que os indicadores que são identificados nos favorecem. Temos indicadores muito melhores que não são considerados no índice. Então, ao mesmo tempo que temos que resolver os temas que estão identificados no Doing Business, nós também precisamos de criar marcadores internos que nos permitem avaliar de acordo com as condições, ou seja, temos de actuar em duas frentes nos indicadores internacionais, mas também criarmos marcadores domésticos que nos permitam aperfeiçoar e sermos os melhores naquilo que somos bons a fazer e que por acaso não é pouca coisa.

Um dos objectivos da ACIS é promover o empresariado nacional. Mas há aqui um problema antigo: o das ele
vadas taxas de juro. Como lida com este obstáculo?

Eu acho que há vários fenómenos a serem avaliados, mas o principal é o risco, a taxa de juro dos bancos é uma taxa que varia com risco. Primeiro, os chamados factores colectivos, o país como um todo tem um nível de risco e nós, dentro das avaliações das agências de raiting, temos a nossa própria classificação. O nosso risco é muito alto e é por isso que por ex: no negócio dos combustíveis os bancos internacionais deixaram de aceitar colaterais que não sejam garantias reais, o que significa que há um risco do país, há um risco do sector e depois há o risco do operador. Combinados os vários factores de risco que geram uma taxa de juros que depois é aplicada no mercado, ponderados outros factores de infracção, de lucro esperado, etc, eu tenho a infelicidade de dizer que é muito fácil baixar uma taxa de juro numa circunstância em que o risco é muito alto e neste momento os factores de risco, sobretudo os factores de risco colectivos, são muito altos e os factores de risco individuais variam.

Não vejo de uma forma administrativa uma alteração de taxas de juro com medidas impostas pelos bancos ou outras entidades para baixar a taxa, eu só vejo a taxa a baixar como resultado de uma performance melhor dos nossos factores colectivos, limpando vários elementos ligados a suspeitas internacionais
que nos levam a níveis baixos nas diligências do raiting das nossas dívidas externas, as falhas nos pagamentos dos juros externos, dos empréstimos internacionais, isto a nível mais alto até internamente, a questões ligadas por ex: os colaterais que estão depositados nos bancos nos últimos dois ou três anos, exactamente por causa da perda do valor. Os activos, as casas, os carros baixaram os preços, portanto, tudo aquilo que os cidadãos davam como garantias, o seu valor baixou e tendo baixado, obviamente tem de reforçar as suas garantias. Todos estes factores acomodam riscos, porque o banco é uma empresa que não vai favorecer os mutuários apenas porque é bonito fazê-lo, o seu negócio tem de continuar a ser rentável.

Quanto à industrialização, que é um dos interesses da ACIS, que desafios se colocam?
  A industrialização tem como principal desafio a competitividade e a qualidade da mão-de-obra. Hoje é muito difícil um país pequeno como o nosso industrializar-se, porque tem de competir com economias, com grandes populações que fazem um trabalho manual, tal como a China, Índia, Indonésia, Tailândia, etc e no mundo globalizado em que os produtos e as informações circulam rapidamente é muito arriscado um país pensar na industrialização que eu via nos anos 60 e 70. Como sabe, aliás, eu sou dessa geração, de consumir produtos em Moçambique que eram basicamente produzidos cá, eu consumia o leite daqui, o sabonete daqui, a farinha daqui, era tudo feito cá, mas hoje é muito difícil acontecer. Países como a África do Sul e Portugal têm muita dificuldade. Num mundo globalizado e sobretudo sem fronteiras de transacções muito rápidas, é muito difícil manter o mesmo padrão de industrialização. Eu acho que os países devem especializar-se e nós devemos nos especializar e acho também que o sector da energia é onde devíamos empregar o melhor saber possível, aplicar os recursos que temos para nos aperfeiçoarmos, porque de facto, é o sector em que o país tem mais potencial.

Estamos em momentos de crise, embora algumas esferas de opinião apontem que já estamos a sair dela. Como interpreta a conjuntura económica actual e que perspectivas para o futuro?
Nós tivemos um período turbulento entre 2015 e finais de 2016, também no primeiro semestre deste ano, mas as coisas estabilizaram, o câmbio estabilizou, a inflação baixou, há sinais claros de recuperação. O nível de reservas internacionais subiu, mas já há avisos feitos pelo governador do Banco de Moçambique em relação ao próximo ano, portanto, esta recuperação do ponto de vista do Banco Central e das informações que nos foram transmitidas sobre 2018 podem voltar a piorar e presumo que o governador fez este anúncio após a informação do FMI de que para o próximo ano não haverá apoio, ou seja, a expectativa que eu via é que a nossa recuperação actual fosse sustentada em 2018 e daí em diante há um problema de apoio sustentado do FMI, dos doadores, recuperando a nossa economia para os níveis que nós já experimentamos e conhecemos, não parece ser esta a perspectativa da Autoridade Tributária e penso que é uma leitura que pode ser transmitida ao nível do Ministério das Finanças e do Governo no geral. Aguardamos tempos difíceis, mais um ano difícil e temos de ser inovadores, olhando saídas e soluções para que o impacto desta crise seja a mínima possível. Eu acho que todos têm a resposta! É importante que haja uma decisão de se enveredar pelos caminhos que os doadores estão a exigir e acho igualmente que as autoridades estão a trabalhar nisso.

Que Acis se deve esperar sob sua direcção de hoje em diante?
A ACIS vai continuar a desempenhar o seu papel como uma associação que está ao serviço dos seus membros, portanto, uma associação que vai ser a sua advogada e que vai saber auscultar as suas preocupações. Será, igualmente, um organismo que vai saber acomodar as suas necessidades, vai continuar a ser um parceiro importantíssimo na caminhada das empresas membros aumentando sempre o número das empresas que são filiadas e reforçando também a sua presença nas províncias. A ACIS é um parceiro importantíssimo e forte da CTA, enquanto seu membro, e ao nível macro e económico a ACIS estará atenta aos aspectos em que ela pode contribuir positivamente para a criação de um bom ambiente de negócios.

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