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Agostinho Zacarias sugere exploração de “outros caminhos” para se chegar a Mariano Nhongo

A persistência e a mudança de estratégias são essenciais para haver sucesso nas negociações entre o Governo e a auto-proclamada Junta Militar da Renamo, considerou Agostinho Zacarias, antigo reitor do extinto Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), actualmente Universidade Joaquim Chissano, no programa “Noite Informativa” desta segunda-feira, do dia 07 de Setembro. O comentador do programa entende que “temos que explorar outros meios, outros caminhos para se chegar a Mariano Nhongo”

Que leitura faz dos 46 anos dos Acordos de Lusaka?

Os Acordos de Lusaka foram um marco importante na nossa história porque demos esperança de que o colonialismo iria acabar em Moçambique. Punha-se em frente o desafio de construção de uma Nação. Volvidos 46 anos, nunca pensei que hoje estaríamos nesta fase de dúvida sobre onde é que estamos e para onde vamos. Pensei que, talvez, pudesse estar num país desenvolvido e que estaria, pelo menos, num país de rendimento médio. Mas continuamos como um dos países mais pobres do mundo.

No seu entender, o que é que falhou durante os 46 anos para que Moçambique não seja, hoje, um país de rendimento médio e ainda a viver situações de conflito?

A opção das políticas económicas. Na data da proclamação da independência, a África do Sul, liderada pelo apartheid e nós nessa altura, como vínhamos sendo apoiados pelos países socialistas, como a união soviética, entre outros, havia um medo do Ocidente de que nós iriamos nos tornar um satélite soviético aqui na região. Daí que há esforços de se mover uma guerra de desestabilização para tornar o país desgovernável e inviável porque se o projecto socialista triunfasse, a situação era diferente, pois daríamos esperanças às outras colónias que continuavam.

Como é que isto influenciou o desenvolvimento do país?

Praticamente só tínhamos apoio de grandes países socialistas. Tínhamos poucas relações com os países do Ocidente. A ideia de mercado livre era alheia à nossa realidade. O que existia eram apoios e o comércio que praticávamos era a troca de produtos e não através de moedas convertíveis em nossa moeda. Portanto, haviam políticas económicas e de segurança dirigidas ao facto de nos tornar inviáveis como tal. O que Moçambique fez durante este tempo todo foi tentar reagir em sua defesa e manter-se no mapa.

A seguir à constituição que abria espaço para a abertura da economia, o que correu mal durante este período?

Moçambique começou a aprender das limitações dos países socialistas para nos apoiar. Ainda nos anos 80 começou um esforço do Governo a tentar balançar e o que se acreditava na essência como políticas socialistas, nessa altura, poderia continuar, mas isso não nos poderia impedir de estabelecer relações com outros países. Acho que esse compromisso foi encontrado rapidamente e o país começou, aos poucos, a definir-se como um país não-alinhado. Esta foi a linha que se seguiu na altura que se conseguiu estabelecer relações com países de diversas orientações políticas e económicas na esfera internacional.

Como é que podemos projectar os dois conflitos actuais em Moçambique, que podem estar a colocar em causa a paz e a soberania?

O problema da guerra no centro surge de alguns dos problemas que ficaram mal resolvidos na guerra dos 16 anos. Um deles foi o facto de a Renamo não ter sido honesta em desarmar completamente os seus combatentes. Depois, surgiram esconderijos de armas com o pretexto de que o presidente da Renamo merecia ter uma defesa que não fosse do Estado, porque se pensava que as forças do Estado eram partidárias e nunca haveriam de permitir essa segurança ao presidente da Renamo. Todo o sistema de reinserção das forças da Renamo dentro da sociedade ficou muito difícil porque tínhamos um contingente de combatentes sem a disciplina militar.

Mesmo que as pessoas entreguem as armas, a mentalidade transforma-se com o tempo. É preciso que as pessoas aprendam novas profissões, técnicas de se inserirem numa nova vida social.

Como é que o Presidente Joaquim Chissano conseguiu, durante mais de 20 anos, controlar a Renamo e Afonso Dhlakama, apesar das diferenças?

Primeiro temos que reconhecer que Chissano é o diplomata número um deste país. Tem seus métodos de conversar e tentar convencer. Muitos acham que ele é muito lento e perde tempo a conversar, mas é uma virtude que ele tem e que todos nós temos que reconhecer. Há esse carácter pessoal e, segundo, o esforço que existiu era não só do Governo, mas também de todo o povo moçambicano que compreendia que não queria voltar à guerra e fazia-se tudo nas comunidades para se resolver os problemas que prevaleciam. Tanto tentar integrar na sociedade, através de cerimónias populares e havia esperanças. A nossa economia teve muita ajuda. O nosso país crescia cerca de 8% em média por ano e éramos os “meninos e meninas bonitas” da comunidade internacional. Toda a gente falava do exemplo de Moçambique. As dificuldades foram crescendo, tivemos vários desafios e nesse processo, a questão de reintegração já estava a criar uma certa fadiga porque alguns consideravam que não se podia tratar a Renamo como bebés.

Havia um carinho especial em relação à Renamo no sentido de contê-la e evitar algum tipo de desestabilização?

O Presidente Chissano e o Presidente Guebuza sempre se deram tempo de ir encontrar o líder da Renamo e conversar, mas chegava um determinado momento em que as pessoas tinham pontos de vista diferentes sobre como é que a situação tinha que ser resolvida. Isto foi esgotando a capacidade e, talvez, cansar a própria paciência das pessoas.

Como é que olhamos para frente do ponto de vista de consolidação da paz e como é que resolvemos os conflitos na região centro e norte do país?

Há uma necessidade de adoptar estratégias diferentes. Os apoiantes da Junta Militar não se integraram, não estão a aparecer na desmobilização e meu medo é que estejam a mobilizar ainda mais para engrossar as suas fileiras. Não sei se o enviado pessoal do secretário das Nações Unidas terá estatura suficiente para chamar o Nhongo e ir até o encontro dele.

No seu ponto de vista, o que seria estatura?

A presença e habilidade. Quando o Presidente Chissano foi despachado para países como o Sudão e Madagáscar, ele tem uma estatura própria. Quando a pessoa fala e diz que quer se encontrar há um conjunto de factores que corroboram para que o encontro aconteça.

Várias vezes o enviado pessoal do secretário das Nações Unidas disse que Nhongo era “inflexível”. Considera que se forem trocados os intermediários entre Nhongo e o Governo poderá haver um encontro?

Quando Dhlakama estava vivo, houve vários mecanismos accionados na região para se chegar a ele. Também era inflexível durante determinado tempo. Não é que começou a falar com as Nações Unidas na primeira tentativa, não! Houve pessoas da região e outras organizações que foram aos poucos trabalhando com ele para se sentar à mesa das negociações. Temos que explorar outros meios, outros caminhos.

No seu entender, não é muito difícil convencer Mariano Nhongo, desde o momento que se identifiquem as pessoas certas para se deslocarem até ele?

Nós temos que fazer um levantamento do que é este problema todo. Parece-me que há um problema interno da Renamo. Tem que se resolver o problema interno da Renamo como organização, a questão da desmobilização e Mariano Nhongo. Estes são os três problemas que têm que ser resolvidos no seu conjunto.

 

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