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A vez do Resgate*

Na cidade os homens não se conhecem, não se amam, não se compreendem.

 

Rodrigues Júnior

17h44 em Maputo. Ponteiros do relógio em contagem retrocedente. Faltam 16 minutos para a ante-estreia de Resgate, da Mahla Filmes. Laquino Fonseca (Tony), um dos vilões da história, transpira ansiedade. Mal consegue dar entrevista. Do realizador, Mickey Fonseca, nem sombra. A quatro metros de Laquino estão Gil Alexandre (Bruno) e Arlete Bombe (Mia). Gigliola Zacara vai tirando fotos, gingando para o público que não pára de chegar. Já são horas, e nada de sequestro. Logo, não há Resgate algum. As pessoas esperam, ah se esperam. À moda moçambicana 18 horas são 18 e tal. A essa altura, sim, todos são convidados a subirem as escadas para irem ver o resultado do que a Mahla esteve a fazer nos últimos nove anos.

Cadeiras preenchidas. Agora é uma questão de segundos. Um MC inventa como que improvisando um discurso ao estilo breaking news. Caramba! A espera afinal não terminou. Mais uns 11 minutos adicionados aos 18 e tal. 19 horas à espreita. O filme já vai começar. O pessoal desliga os telemóveis ou então finge. A expectativa é enorme, nota-se no mastigar das malditas pipocas que tanto barulho desnecessário provocam. O pano finalmente sobe. Já ninguém fala nem tosse. Resgate está na grande tela.

100 minutos depois

Terminou o filme. Os rostos dos expectadores parecem estupefactos de todo. Aí entramos nós para explicar o que se passou na grande tela da Lusomundo.

100 minutos antes

Logo que a longa-metragem da Mahla Filmes começa, vê-se um homem a regressar para o seu passado, no entanto, com algumas metamorfoses em relação ao que deixou para trás, quando foi preso. O sujeito em causa chama-se Bruno: altura média, cabeludo, mulato = o “ódio e o amor entre as raças” (Azagaia). Até a altura em que Bruno caminha rumo à reintegração social, o filme não esclarece o que se passou com ele. Deixa vestígios, úteis numa fase mais adiantada.

Bruno vai parar a cadeia por se ter tornado criminoso. Depois de cumprir a pena, sai disposto a reconstruir a vida de forma sensata, com a mulher e a filha. E nisso aprende a conviver com a dor, com a sensação de que poderia ter ajudado a mãe a livrar-se de um maldito cancro se não tivesse feito asneiras que lhe custaram a liberdade. É quando a vida do nosso herói começa a encaixar-se que aparece o anti-herói Tony predisposto a reintroduzi-lo na criminalidade. A essa altura a história ganha aquela acção ao estilo Hollywood, com linguagens fortes e momentos dramáticos, mesmo a condizer com um outro estilo, o dos gangsters.

Entre disparos, sequestros e tentativas de resgates, o filme ficciona a deterioração de uma história de amor sincero, movida pela ganância e presunção. Resgate é uma narrativa sobre os corredores do crime, que vai buscar no submundo de Maputo parte das peripécias responsáveis por tornar a cidade um campo de tiros, ou seja, um lugar onde os homens não se amam, não se compreendem e tão-pouco deixam-se compreender.

Resgate é um filme para ver com amigos. Boa alternativa cinematográfica para o tipo de longas realizadas em Moçambique. Ao contrário da tendência, a produção da Mahla trabalha o presente, dando-o uma razão de ser. Do ponto de vista de enredo, inquestionável. O casting dos actores só não é perfeita porque a perfeição é uma ilusão. As cenas, a ficção, o movimento, o drama, o suspense, o trabalho de pós-produção, logo se vê, preenchem inverosimilhanças que naturalmente o filme possui. Por exemplo, Bruno chega demasiado seco a casa de Mia num dia chuvoso e há exagero no tratamento do dólar em detrimento do metical. Agora, não aconselho que se levem crianças a ver este Resgate. Pode ser demasiado pesado para elas. Seja como for, lá está um barómetro ficcional que bem serve para as afamadas “autoridades competentes” usarem na eliminação das gangues que rebentam a bolsa, a paz e o futuro de Moçambique.

 

*Texto inicialmente publicado pela Xonguila, com o título Resgate.  

 

Título: Resgate

Autor: Mahla Filmes

Filme

Classificação: 16

 

 

 

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