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“A pedagogia” de Amosse Mucavele*

Muito gosto em estar aqui para falar deste “Pedagogia da Ausência” de Amosse Mucavele. Na minha apresentação vou falar da poesia de Amosse, mas partindo da construção duma crónica. Não pretendo incorrer na tentação da crítica literária, dispenso aos que nos acompanham aquilo que seria o abismo da minha análise semiótica. Vou, por isso, cingir-me ao nível mais modesto, mas para mim mais legível e próximo das minhas poucas habilidades, a crónica.
Vou abordar o que dá título ao livro: a ausência e os lugares que povoam a infância de Amosse, mas que ao mesmo tempo, para mim, marcam o seu presente, ou a vida do homem não seria feita daquilo que ele lembra.
Começo pela poesia “a casa”, a qual indica um lugar, mas preenche uma ausência. Essa ausência, que Amosse aborda é, acima de tudo, muito mais do que presente. Apesar de ser caracterizada como distante “nas manhãs rendidas” ela ganha peso e forma “na velha casa” onde a “solidão traça uma rotina fúnebre”. Todos poemas, ao longo do livro, sussurram nos ouvidos uns dos outros que os títulos não são fronteiras suficientes para separá-los. Ou não fosse “Reencontrar o amor” uma continuidade dos poemas que lhe antecedem. Este livro, parece-me, melhor estruturado do que o anterior. Enquanto na obra anterior Amosse parece feito de retalhos, aqui, quando decide encarar os seus fantasmas apresenta-se de cabeça tronco e membros.
Mesmo quando decide navegar ele faz uma paragem em Mafalala onde “murcha”, diz-nos, “o cansaço das lembranças estampadas. Nesse regresso ele vai buscar uma criança para abrir o caminho da ferida aberta. É a ausência, que mais uma vez, com a força da sua presença ganha corpo. Até em “Tempestade”, quando era suposto aceitar as vicissitudes da vida, há feridas que se abrem na rocha. São os ancestrais que tinham olhos de cor nutritiva, perenes nos sulcos do tempo a soar no tabuleiro da alegria.

É preciso parar em “Ponte Cais”, pois “o fim do mar é uma cidade universal”, que antes era desejosa de “amar emigrantes”. Aqui Amosse saiu do seu universo da infância e instalou-se na baixa, zona de todos os prazeres. Porém, onde quer que vá fá-lo acompanhado daquela ausência presente. Por isso mesmo que a terra derreta na língua do mar acaba sorvendo o “Mel amargo”.

Depois da nudez do Amosse dá-mo-nos de cara com a segunda parte da obra: Migrações. Aqui parece-me difícil descortinar uma linha que liga tudo, mas existe. Amosse compreendeu que a poesia vive da necessidade de não ser periférica. Aqui a obra ganha outras vertentes e rompe o universo familiar. Migrações significa a incorporação de outros lugares e outras literaturas na escrita de Amosse. Migrações é música e pintura verbal, fantasia e imaginação, lazer, ironia, misticismo, consciência crítica da linguagem e exploração do inconsciente e muito mais. Sem Migrações não se explica este Pedagogia da Ausência.

 

 

*Título do editor.

Texto de apresentação do livro Pedagogia da ausência, de Amosse Mucavele.

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