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A liderança como factor determinante para o desenvolvimento

Cada indivíduo, família, comunidade ou país busca, naturalmente, o desenvolvimento. Faz-no com recurso aos mais diversificados meios e formas. Nem sempre, contudo, os resultados são alcançados. Entre os que são bem-sucedidos e os que fracassam, as diferenças não resultam somente das oportunidades e condições vividas. Há inúmeros exemplos em que, partindo de situações similares, os resultados finais foram diametralmente opostos.

De todos os elementos que contribuem para o sucesso e o fracasso, o mais determinante é o capital humano, reflectido na capacidade de transformar trabalho em valor (económico, social, cultural ou ambiental). Apesar da sua complexidade, é muitas vezes abordado de maneira simplista, dando exclusividade à dimensão académica do conhecimento. Porém, o capital humano abarca outros elementos, não menos importantes, de natureza social e cultural (como hábitos, criatividade, motivação, inspiração, etc).

É fácil conceber modelos de desenvolvimento com doses elevadas de racionalidade, particularmente quando se coloca em perspectiva o indivíduo ou a família. Contudo, quando se avança para a análise de uma comunidade ou país, entram em jogo factores adicionais, que operam de forma dinâmica e complexa. Surgem novas interacções que resultam em sinergias, antagonismos e complementaridades. Elas geram compasso (visão temporal), coordenação e vários factores de correcção e superação. Nada disso é espontâneo, pois requer uma visão e objectivos claros previamente refutados. E essa capacidade de gerar, cultivar e fazer uma agenda comum só pode resultar de uma boa liderança.

Que liderança?

A liderança que almeja o desenvolvimento não deve ser vista apenas como a capacidade de exercer poder e influência ou enquanto sinónimo de uma qualidade centrada no indivíduo. O surgimento de indivíduos que se acham “iluminados” para comandar os destinos dos restantes muito facilmente resulta em ditaduras. Pelo contrário, a liderança genuína é o resultado de uma consciência colectiva de busca de inspiração nos mais capazes, em função dos contextos e desafios específicos.

O estudo do comportamento das aves migratórias tem revelado elementos interessantes que podem ajudar na reflexão sobre os processos de liderança. Perante o desafio de perpetuar a espécie e buscar o melhor habitat para cada época do ano, elas são forçadas a longas migrações. Isso implica enfrentar distâncias, correntes de ventos e suprir a necessidade de se alimentarem ao longo do percurso. O instinto ocupa-se de uma parte considerável do processo. Mas, guiados pelo instinto e a experiência, há mecanismos de liderança que se estabelecem a partir do lançamento do voo. Ao longo da jornada, o pássaro que vai à frente é o que se mostra mais capaz de o fazer, na ocasião. Se se desvia da rota, não é acompanhado. Se acelera demais, vai sozinho. Se se retarda, fica para trás. Ele não assume todas as responsabilidades de guiar o bando. Outras unidades no meio dele ajudam na formação e ordenação dos restantes para permitir uma melhor aerodinâmica. Se o líder enfraquece, adoece ou é abatido, é imediatamente substituído. E assim o bando cumpre com naturalidade os seus desígnios.

No reino animal é natural que o instinto e a experiência ganhos em voos anteriores sejam de grande importância. Na condição humana, uma boa liderança deve ser inspirada num sistema de valores baseado em direitos e deveres. Por isso, a verdadeira liderança deve permitir a partilha e coordenação de ideias, visões, responsabilidades e destinos. Motivar as pessoas a dar a sua contribuição, nos diversos sectores (políticos, económicos, sociais e culturais). A título de exemplo, um padeiro, um pescador e um carpinteiro podem ser considerados líderes, pela sua capacidade de inspirar rigor, qualidade e pontualidade.

O ponto de partida

Os factores que influenciam o desenvolvimento são numerosos. Entre eles encontramos: a localização geográfica, que pode gerar oportunidades e oferecer vantagens comparativas e competitivas; a disponibilidade de recursos naturais (fertilidades de solos, recursos minerais, regime de chuvas, mares, rios, lagoas, florestas, fauna etc.) a partir dos quais se podem desencadear processos produtivos; infra-estruturas básicas (como estradas, pontes, indústrias de transformação) que ajudam a reduzir os custos de transacção e estimulam o comércio; regimes institucionais e legais que estimulam e protegem o investimento e reprimem a criminalidade e a corrupção; liberdades políticas que permitem a expressão de ideias inovadoras; a estabilidade e organização social que sedimentam valores e práticas; a contínua educação e transmissão de conhecimento tecnológico; e muitos outros.

O ponto de partida também pode estar carregado de valores negativos como, por exemplo, modelos coloniais, tradições retrógradas, seitas do mal, tribalismo, racismo, desigualdade de género, etc.

Já um ciclo virtuoso de desenvolvimento sustentável resulta de um sistema de valores e da emergência de lideranças fortes e diversificadas. O exemplo de alguns países que alcançaram níveis de desenvolvimento elevado em condições difíceis, como o Japão e a Coreia do Sul, mostram que a partir de pouco se pode fazer muito.

Na ausência de um sistema de valores e uma liderança esclarecida, as riquezas naturais podem tornar-se um factor de divisão, conflitos, guerras, e não propriamente um estímulo ao desenvolvimento.

Na disponibilidade de recursos e valores sociais, uma boa liderança deverá, em prol do crescimento, ter a capacidade de estabelecer um quadro de prioridades e políticas de desenvolvimento, promover a acumulação de capitais, diversificar a economia e promover a cultura de rigor e disciplina.

A importância dos capitais

Na actualidade, não se pode conceber o desenvolvimento na ausência da disponibilidade de capitais. Para os novos e pequenos estados em formação, isso requer a acumulação de capitais próprios para viabilizar estratégias de investimentos públicos e a mobilização de investimentos privados para dinamizar a economia e os mercados.

A ajuda externa, na perspectiva do desenvolvimento, deve ser tida como uma medida transitória e deve ser considerada apenas como uma transfusão de sangue para os pacientes sob cuidados intensivos. A sua utilização sistemática e abusiva interfere no desenvolvimento sustentável da economia e pode colocar o país em condições de vulnerabilidade a pressões e chantagens.

A diversificação económica

A robustez de uma economia também se mede pela diversificação. Isto reforça a resiliência e a integração. A concentração de uma economia num único sector ou produto resulta no chamado “dutch disease” (doença holandesa). Caem nessa armadilha os países que, tendo descoberto recursos minerais (petróleo, diamantes, ouro, carvão mineral etc.), acomodam-se nos rendimentos daí gerados e se esquecem dos restantes sectores.

O sector mineiro, particularmente, está sujeito a oscilações dos preços internacionais, revela uma alta dependência de monopólios, e faz uma péssima distribuição da riqueza. Este sector tem ainda uma excessiva verticalidade (beneficia os actores directamente implicados) e uma fraca transversalidade (fraca inclusividade e efeito multiplicador).

Para um desenvolvimento equilibrado, a aposta na agricultura é incontornável. Ela integra na economia os pequenos produtores rurais, processadores, transportadores, vendedores e prestadores de serviço. A cadeia de valor começa no capo, mas chega aos centros urbanos. Ela garante um nível aceitável de soberania alimentar e reduz o preço dos alimentos. Também reduz os processos de migração urbana e o agravamento da pobreza urbana. Alivia, igualmente, a balança de pagamentos e abranda os choques e abalos económicos.

Factores sociais e motivacionais

Os factores sociais e motivacionais do desenvolvimento têm sido recentemente alvo de investigação intensa. Alguns fenómenos têm servido de casos de estudo, permitindo seriar os mecanismos e documentar o seu impacto na economia. Funcionam como estímulos positivos, por exemplo, o sucesso no desporto, as eleições bem-sucedidas, a fé e as crenças religiosas. Funcionam como estímulos negativos, por exemplo, a insegurança, o senso de injustiça e a ausência de desafios.

 A existência de uma visão clara sobre os objectivo comuns, e como estes vão beneficiar a todos, é fundamental, e contribui para a responsabilização individual e colectiva, a competitividade saudável (com base num sistemas de incentivos), a liberdade de opinião e iniciativa, a meritocracia associada ao rigor e disciplina, e a justiça na partilha de oportunidades e desafios.

A concluir

Quase a totalidade dos países que atravessam crises de desenvolvimento manifestam uma incapacidade de gerar lideranças de qualidade. Vegetam com base em “chefaturas” que se embebedam de egoísmo e ganância, permitindo que nações inteiras “vivam de cócoras”. Mesmo perante desastres naturais e outras calamidades, uma boa liderança é decisiva. Ela pode ser a locomotiva para fazer avançar uma agenda comum, libertar as energias necessárias e permitir a expressão plena de um desenvolvimento inclusivo, sustentável e dignificante.

 

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