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A função dos nomes em “o deus restante”

Um nome é um corpo vivo fervilhando de energia

Paulina Chiziane

A poesia moçambicana continua a merecer atenção, com poetas que não sabem fazer outra coisa senão o bom uso da pena. Nesta vegetação, com vários oásis, não nos faltam essas vozes do silêncio feitas de solidão, desejo e viagem, como quem rema para adiar alguma coisa ou, quem sabe, para alongar o que a Aorta conserva. Uma dessas vozes – firme, frontal e livre – a conhecemos lá dos anos 70 e, dizemos mais uma vez, não a esquecemos porque consegue resistir aos impasses da vida, à ingratidão e ao esquecimento que graças (também) a esse deus restante não é colectivo: Luís Carlos Patraquim, a quem faremos, quando acabar, tudo o que White rejeita naquele “A morte” d’Opoeta diarista.

Mesmo a propósito de o deus restante, este é o título do último livro de Patraquim, o qual se constrói por via de uma tessitura textual exímia na apropriação de momentos. E não é apenas isso. A partir daí, o poeta gera um conjunto de elementos estéticos que minguariam se ali houvesse precipitação na expressão de sentimentos e das suas emoções. Nos poemas de o deus restante, Patraquim escreve sobre o seu coração, usando o que a mente armazena como meio para compor cada verso que o instante permiti-lhe criar. Além do efeito belo e comovente resultante da palavra bem combinada com as tais sugestões que nos conduzem aonde o poema quer, este parece-nos um livro que fragmenta lentamente o que Patraquim é: um leitor do mundo, seduzido pela vaidade de eternizar lugares, rostos, épocas e movimentos. Para o efeito, o poeta insere na escrita vários substantivos, próprios e comuns. Tal investimento não se gasta no nada, antes pelo contrário, enriquece e atribui singularidade aos textos, tornando-os um produto para a consolidação pessoal, para onde se regressa, porque em cada alusão sentimos que lá poderíamos ter estado.

Com efeito, os nomes de o deus restante funcionam para tornar a escrita de Patraquim consequência de muita relação com os contextos, além da literatura, mas não preza às previsibilidades da realidade. É como se os nomes fossem o complemento da criatividade, e são, o que obriga o leitor a saber mais para ali não ficar nefelibata. Os nomes emprestam aos poemas imagens, alongando os versos porque assim deixam de terminar no papel. Os nomes aglutinam uma referencialidade, demonstrando, eventualmente, sobre o que o autor pensa quando escreve. Ora, desde modo, porque a poesia não deixa de estar associada ao seu contexto, Patraquim, acompanhado de figuras como Heidegger, Erik Satie, Ivan Goran e William Blake – num traço poético que transporta há muitos anos –, por um lado, garante que um determinado período seja aproveitado no deleite literário, porque, por exemplo, escrever sobre Satie e Goran é também manter cativo na poesia momentos de séculos passados e bandeiras de países.

Por outro lado, Vístula, Zambeze, Xiquelene ou Lhangene funcionam como bússolas que nos ajudam a identificar a localização dos sujeitos poéticos na altura em que a versificação ganhava corpo, algo apreciável, porque enquanto os espaços são configurados pelo poder do vocábulo, quem lê é transportado para uma realidade que conhece ou vê-se na condição de inventar uma verdade. Não obstante, os vários nomes inseridos em o deus restante fazem da poesia uma forma de compreender os universos de que o autor é feito e os que ele próprio produz.

 

Título: o deus restante

Autor: Luís Carlos Patraquim

Editora: Cavalo do Mar

Classificação: 17

 

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