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A (des)continuidade poética em Nelson Lineu

Todos, graças às palavras, elevam-se como se tivessem asas.

Aristófanes

 

Minutos depois da cerimónia de lançamento de Asas da água, Armando Artur admitiu que Nelson Lineu é uma grande promessa como poeta. Nós, os que ouvimos tal afirmação, não nos surpreendemos, até porque Gilberto Matusse, um dos melhores professores de literatura, no prefácio daquele livro ainda recente, realçou as qualidades literárias do nosso autor. Nesse exercício, Matusse fez referência ao título de estreia de Lineu para melhor integrar o leitor na oficina do poeta.

Ora, se começarmos a ler a poesia de Nelson Lineu a partir de Cada um em mim (2014), de facto, podemos assumir que Asas da água é uma continuidade criativa de um autor que muito investe no peso da palavra para aglutinar significados. Essa continuidade observa-se quer do ponto de vista da individualização poética quer no da mancha gráfica. Nos dois livros, Lineu desafia-se a resumir toda uma viagem pelas suas dimensões existenciais muitas vezes em uma curta estrofe. Julgamos que esta opção foi bem oportuna no caso do seu primeiro livro, pois os sujeitos de enunciação de Cada um em mim são tão refinados que chegam a dizer realmente tudo sem se alongarem. Por isso mexem connosco, despertam-nos sensações, emoções e desejos numa construção contagiante: “aprendi a indicar/ ao vento onde me deve levar/ quando me dei conta/ que as palavras/ se plantam umas as outras (p. 13).

À semelhança de Cada um em mim, na versificação de Asas da água há um recurso à infância, à beleza dos pássaros, à vitalidade da água (do rio e do mar) e à vegetação. Nesse sentido a continuidade poética, se quisermos, criativa, é certa, afinal determinados registos apontam para os eventuais elementos importantes ao poeta na oficina da escrita.

Com efeito, embora Asas da água seja uma continuidade do que Lineu inicia no primeiro livro, como bem observa Gilberto Matusse, na nossa opinião é também uma descontinuidade no sentido qualitativo. Ou seja, nesta obra lançada pela nova editora moçambicana, TPC, este poeta, também já assumimos publicamente ser uma promessa, decresce em termos da combinação dos sentidos das palavras nos seus versos. Logo, muito dificilmente os sujeitos poéticos conseguem nos despertar a necessidade de celebrarmos continuamente os textos ou as circunstâncias aí convocadas. Parece-nos que faltou, em muitos caos, o cuidado na harmonização rítmica das palavras, daí, por exemplo, ser pouco encantador ler o poema 1 (p. 19) ou 6 (p. 24) de forma inteligível e numa sequência apropriada. O que define o ritmo nos textos de Asas da água? A certa altura esta é a questão a que não conseguimos dar resposta.

Não obstante, facilmente lê-se Asas da água no mesmo estado de espírito. O título do livro foi muito bem conseguido, todavia a beleza nele contido não vai muito traduzida nos versos porque, se calhar ao trabalhar a técnica, o nosso poeta esqueceu-se do mais importante: a comoção.

A existirem livros de pausa, parece-nos que este é um deles. Sinceramente, não notamos grande evolução deste poeta que já mostrou saber trabalhar o lirismo. Talvez Lineu tenha-se acomodado numa zona de conforto ao produzir este livro ou então, eventualmente, foi pequenos demais para alcançar a sua qualidade.

Em todo o caso, Asas da água é um exercício além da fronteira do que os olhos captam ou do que os sentidos pressentem num claro jogo polissémico sobre a subjectividade. Nisso, a criação da imagem e do movimento (da água, das folhas, das aves) são das situações principais.

 

Título: Asas da água

Autor: Nelson Lineu

Editora: TPC

Classificação: 11

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