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A comédia em tempos de crise

O homem é o único animal capaz de rir, como bem observou Aristóteles, mas tanto a comédia como a tragédia afectam todos os animais. Os sentimentos de alegria e tristeza causados pela comédia e tragédia existem em todos os animais, diferindo somente em suas manifestações. Enquanto o homem abre a boca e mostra os dentes, fazendo-se ouvir uma voz afável, o cão saltita, abana a cauda, põe fora a língua como forma de manifestar a sua alegria. O homem chora, mas os outros animais não o fazem, embora todos sejam domados do mesmo sentimento trágico. Isto nos impele a uma nova inferência de que o choro à semelhança do riso é uma manifestação unicamente dos homens por natureza, mas a dor é para todos.

Todavia, a tragédia e comédia aos olhos dos humanos, às vezes, confundem-se e tornam-se relativas. O que me é trágico pode se te afigurar cômico dependendo da distância espiritual a que te pões a observar. Um adultério motivado pela insatisfação sexual é trágico para o marido e pode ser irrisório para o vizinho ou amante. Mas o riso sobre coisas trágicas é um modo indisciplinado de suportar a dor tanto nossa quanto alheia. Quando nos rimos da nossa própria tragédia, somos tolos. E quando o fazemos pela tragédia de outro, merecemos ser chamados sarcásticos. Estas manifestações irônicas são dignas de serem censuradas, pois denotam a pobreza do espírito sob o ponto de vista mais alto da moral. Atendendo a definição aristotélica da educação que é ensinar as pessoas a sentir dor em coisas que causam dor e prazer em coisas que causam prazer devia ser condenável a comédia em tempos de crise, pois ela visa-nos fazer suportar os males que nos afligem. E, neste caso, suportar equivale a adaptar-se, alegrar-se ou conformar-se com uma situação desconfortável e, no pior caso, tentar esquecer.

Esta disposição espiritual é por excelência a característica dos povos pobres em espírito e em bens materiais. Quando uma nação está em crise moral ou económica e o povo, ao invés de indignar-se com o estado das coisas, entretém-se em transformar o censurável em hilariante, é legítimo afirmar-se que o mundo está perante uma nação com atraso mental. A comédia em tempos de crise é o mais vivo sinal da existência de uma educação defeituosa que faz os cidadãos falhar pensar e tomar decisões convenientes para mudança de uma situação crítica. O excesso de entretenimento dentro de uma nação em forma de desporto, telenovelas, pornografia, programas de diversão serve de combate ao sentido de vergonha sem ao menos esmiuçar os preconceitos. Ou seja, quanto mais comédia se oferece ao povo, de modo abusivo, menos capacidade de reflexão ele ganha, pois o entretenimento, não obstante ajude a catapultar a imaginação, carrega consigo o poder de distração.

Dizia François Lyotard que o desenvolvimento humanitário dentro de um país também pode medir-se pela qualidade de informação que circula na esfera pública. Em países com democracias de grande sucesso, o nível de informação que circula entre cidadãos é relativamente de grande importância comparado à informação dos países pobres com democracia precária. Isto se deve, em grande medida, ao comprometimento que o Estado e órgãos de informação pública têm com a educação social. Enquanto maior parte de jovens de alguns países ricos em espírito e matéria serve-se das redes sociais para debater ideias sobre a situação do país ao nível de sistema político, da arte, religião, ciência e oportunidades, no outro lado do mundo, verifica-se uma massa de jovens que se entretém com assuntos sérios, de maneira leviana.

Somente a seriedade em tempos de crise tem o poder de mover a sociedade a insurgir-se dos males que a enfermam. A seriedade como um estado de espírito que revela interesse em determinado objeto é um elemento eficaz para impor responsabilidade dentro do Estado. Satirizar o que é grave emite impressão de não se importar e de desprezo. Há necessidade de a sociedade mostrar-se séria, em assuntos sérios, de tal sorte a ganhar legitimidade de ser tratada como adulta pelo seu Estado.  E, até em assuntos lúdicos, o Estado deve ver-se obrigado a manter o compromisso com a educação do seu povo. A regeneração deve ser sempre a meta do logos da polis.

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