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Faltam de meios de prevenção da COVID-19 nos bairros da cidade de Maputo

A cidade de Maputo, onde se registou o primeiro paciente com o novo Coronavírus e o terceiro local com transmissão comunitária do mesmo, em Moçambique, assinalou terça-feira 133 anos de elevação à categoria de urbe. Além da pandemia, a metrópole debate-se com a precariedade do saneamento do meio, desordenamento territorial e vários outros problemas cuja solução não se vislumbra a curto prazo.

A 22 de Março deste ano, as autoridades sanitárias revelaram a primeira pessoa com COVID-19 no país, precisamente na cidade de Maputo, onde actualmente há 7.044 casos, dos quais 5.576 recuperados e 1.314 activos. De repetente, a propagação do vírus intensificou e os alarmes soaram, com maior preocupação em relação aos bairros periféricos, onde as condições de saúde e higiene são precárias.

Os becos, alguns sem saída, as casas de chapas de zinco, o grosso delas encostadas umas às outras, fazem parte da imagem que actualmente caracteriza a capital moçambicana. Perante esta precariedade de salubridade, mormente nas zonas periféricas, alguns munícipes julgam que estão mais expostos à COVID-19.

“Lavar sempre as mãos com cinza ou sabão, usar sempre a máscara, ficar um metro e meio de distância em relação a outras pessoas”, conforme mencionou Jossila Manguele, residente no bairro Chamanculo, seria o ideal, mas a realidade prova outra coisa.

Aliás, além de as casas estarem bem próximas umas das outras, os residentes de Chamanculo partilham um pouco de tudo, incluindo as casas de banho.

“Somos cerca de 11 famílias que partilham a mesma casa de banho, na qual estando por dentro é muito difícil ficar confortável. Isso acontece porque no Chamanculo vivemos de qualquer maneira” sem privacidade total, descreveu Elisa João, moradora do bairro Chamanculo, cidade de Maputo. Ela receia que a COVID-19 se propague devido à escassez ou falta de meios de prevenção.

Os moradores do bairro da Maxaquene também enfrentam problemas similares. No que à COVID-19 diz respeito, Julieta Mahumane, residente, disse que não tinha recursos para comprar meios de prevenção. Segundo as suas palavras, nunca recebeu sabão, baldes e máscaras que cobrem o nariz a boca para ela e a família estarem protegidas do novo Coronavírus.

“Nós estamos expostos” mas as autoridades municipais não dão atenção a esta vulnerabilidade à COVID-19, considerou Julieta Mahumane.

Com carrinha na mão e balde à cabeça, os residentes de Maxaquene fazem um exercício já bastante antigo, para buscar água numa fontanária próxima de suas residências. O problema agravou-se com o surto da COVID-19.

“Temos que lavar as mãos todo o momento”, conforme a recomendação da Saúde. Entretanto, “para fazermos isso é preciso ter água. Precisamos dela também para banho, cozinhar” e outras necessidades, de acordo com Rosa Tomás, moradora de Maxaquene.

À entrada do mercado do Peixe, na cidade de Maputo, tem um ponto de lavagem das mãos. O nível de limpeza é impecável, os vendedores cumpre o distanciamento físico recomendado, o movimento de clientes é dos mais baixos na capital mas aquele é, curiosamente, o mercado mais exposto à COVID-19, segundo dados do inquérito sero-epidemiológico realizado pelo Instituto Nacional de Saúde.

Reagindo a esta informação, Maria Gulamo, vendedeira naquele mercado, considerou não ser verdade. “Nunca houve uma pessoa infectada ou suspeita [de estar infectada pela COVID-19] no nosso mercado”.

Mesmo desmentindo o nível de exposição do mercado ao novo Coronavírus, não é muito raro ver, por lá, alguns comportamentos de risco. Alguns utentes e vendedores não usam máscaras ou o fazem de forma incorrecta. E não é por desconhecimento de regras.

Armando Massango, outro vendedor no mercado do Peixe, disse que se lava sempre as mãos. O cliente que lá se faz sem a máscara de protecção da boca do nariz não é atendido.

Já no mercado de Xipamanine, o que se observa é uma autêntica exposição ao novo Coronavírus. Os vendedores, compradores, cobradores e motoristas de chapas ignoram o uso da máscara.

Naquele mercado, a preocupação é mesmo com o comércio, ainda que os números sobre as infecções e mortes por COVID-19 sugiram preocupação na capital do país, ora com 7.044 casos, dos quais 5.576 recuperados.

Ainda que se tenha iniciado o processo de reorganização dos mercados na capital do país, o comércio, sobretudo o informal, parece estar mais descontrolado do que nunca e o novo Coronavírus pode estar a circular entre os vendedores.

“Não concordo que Xipamanine seja o mercado mais exposto [COVID-19] porque quando vamos fazer testes rápidos nunca temos resultados”, disse Inácio Maceda, um dos vendedores no mercado Xipamanine.

Inácio Maceda talvez também não concorde porque segue as medidas de prevenção da COVID-19, segundo disse: uso da máscara e lavagem constante das mãos, por exemplo.

A cidade de Maputo a porta de entrada do novo Coronavírus no país. O Instituto Nacional de Saúde aponta alguns elementos que explicam a contaminação e rápida propagação do vírus: a densidade populacional, a mobilidade e o comércio.

“A cidade de Maputo é a que tem maior densidade populacional, no país, com cerca de 3.245 habitantes por quilómetros quadrado. Esta concentração de pessoas numa determinada área facilita a transmissão do vírus respiratórios e o novo Coronavírus é um deles”, começou por explicar Ivalda Macicame, delegada daquela instituição de saúde.

Outro elemento apontado pelo nosso interlocutor é a mobilidade que, de acordo com ela, faz com que, diariamente, milhares de pessoas movimentem-se entre os diferentes distritos municipais e bairros da cidade de Maputo.

“Esta mobilidade ou o fluxo de pessoas é heterogéneo, ou seja, as pessoas não se deslocam de uma área específica para outra específica, mas sim de todas as áreas” para todos os lugares e “isto pode, naturalmente, contribuir para a transmissão do Coronavírus”.

O fluxo do comércio formal assim como informal é, no entender do INS, igualmente, um factor que contribui para a rápida transmissão da doença na medida em que “esta actividade permite maior contacto entre as pessoas e uma maior mobilidade, também, associada ao alto risco de transmissão do novo Coronavírus”.

Ainda que o risco de transmissão do novo Coronavírus seja alto na cidade de Maputo, o Instituto Nacional de Saúde considera prematura falar-se de um lockdown na capital do país porque a doença está, minimamente, controlada.

“É importante percebermos que o lockdown, embora possa ajudar, a controlar a transmissão e propagação do novo Coronavírus, ele também traz consequência e estas, particularmente, se fazem sentir a nível sócio-económico por isso devem ser, cuidadosamente, acauteladas. No caso específico de Moçambique, até ao momento, a pandemia não justifica a implementação de um lockdown”, concluiu Ivalda Macicame.

A Direcção da Saúde na cidade de Maputo reconhece que os números em relação à COVID-19 têm sido assustadores, uma vez que aumentam a cada dia. Mas depois da divulgação dos dados do inquérito sero-epidemiológico, houve acções desenvolvidas para conter a propagação do vírus.

“Houve necessidade de se fazer a fiscalização do uso dos meios de prevenção que são a máscara por todos os vendedores dos mercados e garantir que, à entrada os clientes usem, obrigatoriamente, a máscara, lavem as mãos, houve colocação de dispensadores de álcool nas bancas, distanciamento entre os vendedores e acreditamos que há medição da temperatura à entrada nos mercados”, arrolou a responsável da Direcção da Saúde na Cidade de Maputo.

Outro problema para que a capital moçambicana tenha mais casos da COVID-19 é a escassez de transporte, o que faz com que, não poucas vezes, os passageiros sejam transportados numa situação de autêntica exposição ao novo Coronavírus.

“Tem-se feito um esforço para ver que medidas é que podem ser tomadas para que se ultrapasse isso. No entanto, enquanto isso não acontece, temos, em todas os terminais, pontos para a lavagem das mãos dos passageiros, nos transportes é obrigatório o uso da máscara, independentemente da hora”, avançou Vanda Divinia.

Por outro lado, a fonte reconhece que algumas medidas de distanciamento físico entre as pessoas, sobretudo em espaços públicos onde haja aglomeração, estão a ser rejeitadas pelos transportadores. Mas assegurou haver fiscalização.

Enquanto as situações consideradas de risco e que propiciam a propagação da COVID-19 não são resolvidas, as autoridades apelam para o comportamento responsável de modo a garantir que pandemia seja estancada.

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