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3977 caracteres sobre o “ser” de Armando Artur

Só nos conseguimos ver completamente através do

reflexo de nós próprios nas pessoas que nos rodeiam

Guilherme de Melo

 

Quatro anos depois de publicar As falas do poeta, Armando Artur regressa aos lançamentos. Desta vez, o título do livro é A reinvenção do ser e a dor da pedra, uma proposta equilibrada, na qual a palavra vai carregada de uma visão ulterior sobre os aspectos sugeridos.

Muitas vezes, nas 72 páginas, Artur dá voz aos sujeitos de enunciação que se preocupam com a essência embrionária dos fenómenos, os quais dão azo à expressão decorrente da relação “eu” e a “atmosfera”. Nisso, o poeta vai buscar ao vazio a matéria-prima de que se revestem as pequenas-grandes coisas.  

Por apostar numa escrita sobre aspectos que dizem respeito à humanidade além das fronteiras nacionais, A reinvenção do ser é um ensaio a roçar o altruísmo, daí a atenção cuidada aos fragmentos que fazem o planeta terra enquanto espaço a habitar de outras formas. Há neste livro uma poesia sábia, fortificada pela sensibilidade que o autor tem no manejo do conhecimento, afinal através da delicadeza metafórica o poeta consegue recuar milénios e circunstâncias para escrever sobre um presente a evoluir à laia de uma espiral. No fundo, há nos textos um tempo quase onírico a preservar, pois: “nada seria mais doloroso e pungente do que não ter a memória do futuro” (p. 20).

Essa memória do futuro aludido apega-se a um passado distante, complexo e universal. Por isso mesmo, Armando Artur investe numa poesia de regresso ao encanto perdido no simbolismo das coisas tangíveis e intangíveis, lá onde mora o poder da levitação feita de singularidades plurais: “Seguiu-se a história colectiva, a dos filhos da terra e do mar, entretanto, difícil e penosa, com estórias e calendários pendurados na parede das contrariedades” (p. 31).

Essencialmente, constata-se em A reinvenção do ser e a dor da pedra uma abordagem entre o poético e o filosófico, determinando-se na presunção de os sujeitos de enunciação conduzir-nos à reinvenção do nosso ser, não obstante a dor latente nesse movimento.

O “Retorno então ao interior das coisas” (p. 33) sugere que o que move o poeta no trajecto de regresso é qualquer coisa sacramentada, legitimada pela beleza das flores, das borboletas, da água, enfim, do vigor da vida, ancorada, lá para o fim do livro, no amor. Todavia, trabalhando sobre aquele sentimento, Armando Artur deslumbra-se um bocado. Nos poemas entre as páginas 45 – 53, por exemplo, o nível de arrojo poético decresce combalido, isto é, o nosso poeta, em A reinvenção do ser e a dor da pedra, é bem melhor a escrever sobre a viagem feita pela sua e pela interioridade do Homem, com apego à inquietante história da vida/ da existência, do que a colorir as pétalas de um amor pouco contagiante. 

Ora, no romance As raízes do ódio, de Guilherme de Melo, escritor que a crítica moçambicana precisa reivindicar, uma entidade diz-nos a certa altura: “Só nos conseguimos ver completamente através do reflexo de nós próprios nas pessoas que nos rodeiam”. Estas belíssimas palavras são ditas numa narrativa colonial que tem João Tembe no centro da história, protagonista que desde tenra idade aprende a conviver com as diferenças impostas pelo racismo. Aquela frase de Melo dialoga com os textos de Armando Artur no seu novo livro, sobretudo nos primeiros, na medida em que o reflexo da nossa interioridade encontra-se ao redor das entidades que nos falam no momento da leitura.

Portanto, o que mais vale em a reinvenção do ser e a dor da pedra, de Armando Artur, e o que nos interessa sublinhar nestes 3977caracteres sobre o livro é a qualidade com que o poeta trabalha a subjectividade, a semântica e a polissemia da palavra, conduzindo-nos, como se segurando num fio de Ariadne, à origem do que a poesia merece ser, comparada à plenitude do universo.

 

Título: a reinvenção do ser e a dor da pedra

Autor: Armando Artur

Editora: Cavalo do Mar

Classificação: 15

 

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