O País – A verdade como notícia

17 anos e a liberdade que ainda queremos

Hoje, recuamos no tempo e lembramo-nos da nossa existência há 17 anos. Nestes anos que se somam, de papel em papel, com tintas escorridas coerentemente, criando desenhos significantes, enquanto factos capturados a grosso e processados para distribuição a retalho, fomos escrevendo a história do jornal O País e, principalmente, a história de Moçambique e do mundo. Fomos lutando pela conquista de presença no espaço democrático, dando palavra à sociedade e levando outras tantas até si.

De edição em edição, fomo-nos afirmando como o quarto poder, renegando sempre o convite envenenado para que nos tornássemos o quarto do poder, com regras impingidas pelo dono do quarto. Fincamos pé e rejeitamos ver a nossa jovem e frágil democracia rasgada e pisoteada pelos inimigos da liberdade de imprensa. Içamos a bandeira da liberdade de expressão que, a bem da verdade, reconhecemos que não passou de meia-haste, não por razões nobres ou patrióticas que a faria descer, mas porque ainda estamos na luta para fazê-la subir.

O jornal O País nasceu em Maio de 2005, quando Moçambique espreitava a pré-adolescência da democracia multipartidária e a liberdade de imprensa, enquanto um direito consagrado na biblioteca das leis, empoeirava-se nas prateleiras havia 14 anos. A imprensa privada ainda era uma tímida realidade, que buscava identidade sem plena consciência dos intervalos de acção permitidos. A fronteira legal da liberdade de imprensa, apesar de definida na Lei 18/91 de 10 de Agosto, ainda era pouco percebida ou conscientemente negligenciada por quem a aprovara, quando vestia a máscara da democracia imposta para o restabelecimento da paz social e fim das hostilidades militares.

Os escribas tinham, no seu quotidiano, a espinhosa tarefa de ressuscitar cada letra morta desta lei, e houve quem morreu nesse exercício. O jornalista Carlos Cardoso é o exemplo mais chocante desta luta, mas também combustível para imprimirmos velocidade e não nos permitirmos seguir para o abismo das palavras algemadas. Retiramos a areia da embraiagem e mostramos que a nós cabe decidir a velocidade em que queremos seguir.

De velocidade em velocidade, o jornal O País fez-se presente em muitos momentos históricos. Quando o país entrava em ebulição social, ora pela subida dos preços de combustíveis, pão e energia, ora por outras doses de insatisfação ou sufoco social, com a responsabilidade que nos caracteriza, o jornal O País fez-se às ruas e trouxe os factos, nada para além da verdade, mostrando que, com a peneira, não se tapa o sol. Uma liberdade negada e combatida quando a emoção se sobrepunha à razão. Desta forma, contribuímos para edificar a democracia, enquanto um pilar estruturante da sociedade. Um Governo deve ter a imprensa como amiga, para que tenha possibilidades na adversidade, tal como precisa de ter boas relações com o povo, para que se firme na lama, segundo um ditado popular.

Testemunhamos o renascimento de ataques militares, como resultado do descontentamento da Renamo com os processos eleitorais. Esquivámos balas e, firmes, continuamos à busca da verdade, que morre sempre com o primeiro tiro, prenúncio de um conflito militar, e hoje, ainda mais distante de ser ressuscitada devido ao terrorismo no Norte do país. Aqui, até fomos, em alguns momentos, excluídos do palco dos acontecimentos, como se fosse possível adiar a tempestade para transferir o tesouro. Apagada a “suspeita”, entramos em cena e os factos possíveis noticiamos.

Estes capítulos da história do país ajudam-nos a compreender as sendas percorridas na edificação das nossas instituições, que hoje, 45 anos após a independência, permanecem infaustamente frágeis e com a credibilidade beliscada.

Se falar de boas leis é provocar uma discussão filosófica sem fim, pelo menos como país, devíamos fazer valer os principais fundamentos de um Estado de Direito – – as leis. Elas toldam a liberdade dos homens e até travam a sua evolução, mas garantem a existência da sociedade e a coesão social. Qualquer liberdade fora das leis devolveria ao Homem, ou melhor, enfatizaria o seu estatuto de animal e apressava o desaparecimento da sociedade.

Por isso, respeitar a Lei de Imprensa e todas outras existentes, bem ou mal concebidas, é politicamente imperioso, tal como rever uma lei, com o intuito de melhorar a gestão social e adequá-la à realidade. Mas, nunca com a manifesta vontade de quartar liberdades outrora ganhas e aclamadas.

Vivemos, hoje, numa sociedade com outras dinâmicas, políticas, económicas e culturais, trazidas pela evolução da tecnologia. A media e a respectiva indústria moldaram-se com o desenvolvimento tecnológico, e suas tradicionais formas de produção e difusão de informação têm estado a ruir. Por essa razão, a media vive, hoje, uma incerteza sobre a sua sobrevivência.

Entretanto, mantendo constante a necessidade social de acesso à informação credível, o incerto é a forma como essa informação será produzida e difundida. Portanto, ao pretender-se rever as leis existentes sobre este segmento, é importante compreender o todo – a indústria e o meio envolvente – que vai para além das nossas fronteiras geográficas, isto é, captar as tendências internacionais e preservar a liberdade de expressão.

Qualquer evolução que se almeja no sector da media passa por compatibilizar a sua evolução com o quadro legislativo e regulatório, numa perspectiva de fazer-lhe reflectir as mudanças que se vislumbram com os novos paradigmas da comunicação social e manter intacta a liberdade genuína que alicerça a profissão. Portanto, a proposta de Lei da Comunicação Social deve fazer jus à amplitude desta designação e trazer alterações do quadro legal à altura da realidade actual.

Portanto, que o poder legislativo tenha discernimento de discutir e aprovar esta lei com o sentido de defesa da democracia, porque é sobre esta umbrella que queremos celebrar mais aniversários do jornal O País. Que a demora em agendar o debate resulte numa melhoria substancial do instrumento!

Enquanto isso, vamos criando cabedal com as conquistas de 1991 e 2014, Lei de Imprensa e Lei do Direito à Informação, respectivamente, porque, se a mudança for contra a liberdade de imprensa e contra uma indústria de media moderna, teremos de saber sobreviver inconformados, mas obrigados a respeitar. Até porque uma mudança sempre deixa lançada a base para a emersão de outra.

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